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Meio Ambiente

Instalação de usina destrói árvores e araras somem de Bacia do Paraguai

Ricardo Campos Jr. | 05/06/2017 09:21
Alagamentos causados pelo sistema de fechamento e abertura de comportas de usina tem matado buritis, onde as araras costumam fazer os ninhos (Foto: Silvia Santana)
Alagamentos causados pelo sistema de fechamento e abertura de comportas de usina tem matado buritis, onde as araras costumam fazer os ninhos (Foto: Silvia Santana)

Na região do Rio Correntes, localizada na borda do Pantanal na divisa entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a operação da Hidrelétrica Ponte de Pedra está matando os buritis, de forma que as araras, sem terem onde fazer ninhos, estão indo embora. Especialistas reconhecem os benefícios econômicos trazidos por esses empreendimentos, mas questionam se vale a pena sacrificar o meio ambiente por eles.

Sílvia Santana, pesquisadora da ONG (Organização Não Governamental) Ecoa, está elaborando a tese de doutorado sobre os impactos dessas construções na vida das comunidades ribeirinhas.

Aluna do programa de Desenvolvimento Local pela UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), ela tem percorrido os vilarejos na Bacia do Alto Paraguai ouvindo histórias de gente simples acostumada a viver em harmonia com a natureza e que hoje, sofre junto com ela os efeitos das usinas.

Segundo ela, o Rio Correntes é um dos afluentes do Paraguai. Por ser Federal, é monitorado pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis) e não pelos órgãos estaduais. Existem no local, conforme a pesquisadora, duas comunidades. A primeira chama-se Porto dos Pretos e fica no lado de Mato Grosso e a segunda, Porto dos Bispos, em Mato Grosso do Sul.

“Nós ficamos muito presos em achar que esses empreendimentos causam impacto só no alagamento, na construção da lagoa, mas isso vai muito além e atingem sistemas tão pequenos como esses das araras”, comenta.

Buritis em área alagada pela usina (Foto: Silvia Santana)
Buritis em área alagada pela usina (Foto: Silvia Santana)

Para gerar a energia, a PCH tem que controlar o nível do rio para que ele se mantenha alto o suficiente para gerar correnteza capaz de movimentar as turbinas. Isso é feito por meio do sistema de fechamento das comportas para represar a água. Sílvia explica que quando elas são abertas, descem com muita violência e acabam devastando as matas às margens do Rio Correntes, derrubando as árvores, entre elas, os buritis.

O problema vai muito além disso. Com a migração das aves, os ribeirinhos ficam confusos quanto ao sistema natural de cheias do rio.

“As araras não têm mais buritis e não estão ficando mais naquele local. Os pescadores das vilas de ribeirinhos se baseiam muito pela natureza e a interpretam de uma forma diferente porque o ambiente faz parte deles. Com o sumiço das araras eles ficam perdidos, pois têm como referência o período em que as aves começam a roer os brotos do buriti”, explica a doutoranda.

No entendimento dos ribeirinhos, em julho as araras começam a cortar os brotos dos buritis para fazê-los secar e construir os ninhos nos troncos ocos em agosto. No mês de setembro elas começam a botar os ovos e em outubro nascem os filhotes, que no fim do mês já estão voando, exatamente quando começa o período chuvoso. Se as aves começam a roer os brotos meses antes, a população sabe que o período de chuva, e consequentemente as cheias, irão se antecipar.

Saulo mora em comunidade ribeirinha do Rio Correntes e presenciou as alterações no meio ambiente com a implantação de PCH (Foto: Silvia Santana)
Saulo mora em comunidade ribeirinha do Rio Correntes e presenciou as alterações no meio ambiente com a implantação de PCH (Foto: Silvia Santana)

Vítima – Saulo Moraes mora em uma das comunidades afetadas pela PCH no Rio Correntes. Ele disse que ninguém foi consultado antes da instalação da usina. Em 2004, quando as comportas foram abertas e a sobrevivência dos vilarejos foi comprometida, os moradores receberam uma pequena indenização.

“Minha relação com o Pantanal é de extrema intimidade. Vivo há 14 anos nessa região do rio Correntes se estendendo até o rio Piquiri. Muitas ribeirinhos e pescadores foram embora nos últimos cinco anos”, diz o ribeirinho ao Campo Grande News.

O “sumiço” das araras da região tem ocorrido, segundo ele, desde que o empreendimento começou a operar.

“Isso vem ocorrendo de uns cinco anos pra cá. Inclusive também os papagaios estão nessa mesma situação. Isso é porque os ninhos normalmente ficam em ocos de buritis próximo às águas das baías, e como o rio vive em constante sob e desce em razão da abertura e fechamento das comportas das PCHs acaba não permitindo que as palmeiras buritis se proliferem nessas áreas alagadas”, pontua.

Sem alternativas para contornar o problema, o jeito é esperar pelo pior. “As usinas começaram a judiar do rio, diminuindo drasticamente seu nível, e ao mesmo tempo retornando-o à sua quase normalidade. Com isso, os peixes não o sobem, normalmente na piracema, que é necessário muita água para que eles executem esse ciclo de reprodução. E a consequência disso é a degradação das margens, é a não reprodução dos peixes, e por conseguinte até a extinção de algumas espécies, o que ocorrerá num futuro bem próximo”, conclui.

Energia - Mato Grosso do Sul tem 23 PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) com implantação em análise pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) somente na Bacia do Alto Paraguai e já existem quatro em operação.

O Campo Grande News entrou em contato com a empresa que administra a usina Ponte de Pedra, que fica em Florianópolis, mas foi informado de que as pessoas autorizadas a fornecer retornos à imprensa estão fora da cidade em um evento. Dessa forma, até a publicação desta reportagem a companhia não havia se manifestado.

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