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Política

Caminho tortuoso dificulta acesso de cidadãos à transparência pública

Aline dos Santos | 24/04/2017 11:13
Governo tem nota máxima no Portal da Transparência, mas tem difícil visualização. (Foto: Fernando Antunes/Arquivo)
Governo tem nota máxima no Portal da Transparência, mas tem difícil visualização. (Foto: Fernando Antunes/Arquivo)

Caso resolva exercer seu direito de controle externo, o cidadão que se enveredar pelos portais da transparência dos poderes vai se deparar com uma variedade de tabelas e a frustração de, na prática, os números não reportarem as informações pretendidas. Apesar de melhorias e mudanças, a transparência ainda desafia.

Um dos princípios da legislação é que o portal tenha ferramenta de pesquisa de conteúdo que permita o acesso à informação de forma objetiva, transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão.

“Na verdade, não existe meia transparência, como não existe meia grávida. Todos esses requisitos devem ser cumpridos. O poder federal tem feito desta forma e estados e municípios devem agir desta maneira. Mas, apesar de a Lei de Acesso à Informação completar cinco anos de vigência em maio, muitos não aplicam completamente. O que é lamentável”, afirma o fundador e secretário-geral do Contas Abertas, Gil Castelo Branco.

Segundo ele, o maior tabu é o salário. “E não é por acaso. Na iniciativa privada, o patrão sabe o quanto ganha o funcionário. No serviço público, os patrões somos nós. O cidadão tem o direito de saber o quanto paga a cada servidor. Se você não gosta, vá para a iniciativa privada”, defende.

Com nota máxima em transparência aferida pela Rede de Controle de Gestão Pública, o portal do governo de Mato Grosso do Sul, por exemplo, não oferece fácil visualização para o dado sobre o repasse mensal (duodécimo) aos Poderes.

A informação foi buscada nas abas “Repasses e Convênios” e “Despesas”. Sobre os demais poderes – MPE (Ministério Público do Estado), TCE (Tribunal de Contas do Estado), Defensoria Pública, TJ/MS (Tribunal de Justiça) e Assembleia Legislativa – o portal remete para as páginas de transparência dos órgãos.

Por meio do SIC (Serviço de Informação ao Cidadão), a reportagem solicitou em 27 de janeiro o total de servidores que recebem valor acima de R$ 15.235. A resposta foi de que o pedido deveria se mais claro e específico para atender determinação da Lei Estadual 4.416/2013, a Lei de Acesso à Informação.

“Outrossim, visando atender à solicitação é necessário informar qual o parâmetro de valor que deveremos observar, ou seja, o valor dos rendimentos fixos do servidor ou, o total de rendimentos, incluindo outras vantagens eventuais ou, o valor líquido recebido, descontado as obrigações previdenciárias e fiscais ou, até mesmo, outro parâmetro que o(a) solicitante possa indicar”, respondeu o SIC.

Por outro lado, a aba “Pessoal” permite vários tipos de consulta e oferece a remuneração e nome dos servidores. 

Portal da Assembleia não tem remuneração nominal de deputados. (Foto: Wagner Guimarães/ALMS)
Portal da Assembleia não tem remuneração nominal de deputados. (Foto: Wagner Guimarães/ALMS)

Salários - No Portal da Transparência da Assembleia Legislativa, o desafio foi encontrar a remuneração nominal dos deputados estaduais. A aba “subsídio” abre para três arquivos. Após a consulta a todos, encontra-se o valor de R$ 25.332,25, mas sem nomes.

Para verificar a remuneração dos demais servidores, é preciso abrir duas tabelas. A lista com nomes traz o símbolo do cargo. Para ver o salário, o usuário tem que abrir um segundo anexo, em que os símbolos correspondem a vencimentos. No aspecto positivo, o site traz o repasse atualizado do duodécimo, que totalizou R$ 77,8 milhões entre janeiro e abril deste ano.

TCE oferece diversas tabelas, mas nenhuma com a remuneração nominal. (Foto: Arquivo)
TCE oferece diversas tabelas, mas nenhuma com a remuneração nominal. (Foto: Arquivo)

Quanto ganha – O Tribunal de Contas apresenta diversas tabelas, mas não tem lista de remuneração nominal.

Após consultar quadro de servidores e tabela remuneratória, a pessoa se depara com dados isolados de classe, referência e vencimentos, mas não se consegue estabelecer conexão com a relação de servidores, que traz os nomes e cargos, porém, não permite cruzar os dados com as demais tabelas.

Quanto aos conselheiros, consta somente a remuneração do cargo, R$ 30.471,11 sem descontos. Abaixo, é informado que o valor tem adicional de 35% para presidente e de 30% nos cargos de vice e corregedor.

Tribunal de Justiça passou a exigir neste ano CPF de quem consulta remuneração. (Foto: Arquivo)
Tribunal de Justiça passou a exigir neste ano CPF de quem consulta remuneração. (Foto: Arquivo)

Só com CPF – Após anos com acesso livre, o TJ/MS passou a exigir em 2017 dados como nome, CPF e data de nascimento de quem for consultar remuneração paga a magistrados e servidores.

Em janeiro, o Campo Grande News divulgou que de uma folha de pessoal de quase R$ 43 milhões, relativa a outubro de 2016, a maior remuneração paga pelo tribunal foi para um analista judiciário de Campo Grande: crédito de R$ 104.980,49.

A exigência dos dados tem aval em resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Já na parte contábil, o portal do Poder Judiciário não informa o valor do duodécimo repassado pelo governo do Estado.

Câmara divulga salário dos 29 vereadores, mas não adota mesmo modelo para funcionários. (Foto: Arquivo)
Câmara divulga salário dos 29 vereadores, mas não adota mesmo modelo para funcionários. (Foto: Arquivo)

Sem verba – A Câmara Municipal informa, mês a mês, a lista nominal e o pagamento a cada vereador. A consulta é fácil, basta acessar “subsidio de vereadores”.

Contudo, os salários dos servidores não constam em lista nominal. A opção do portal também é apresentar uma lista com nomes e cargos, mas sem detalhes fundamentais como a sigla de padrão, que vai informar, quando se abre outro documento, a remuneração.

Por exemplo, a lista “relação servidores efetivos” informa que X é procurador. Na tabela de “relação cargos e composição remuneratória”, consta que um procurador municipal pode ser classificado em padrão CM 40 a CM 49, com salário de R$ 2.575,76 a R$ 3.995,90. No quesito verba indenizatória, a consulta pelo ano de 2017 reporta “nenhum registro encontrado”.

Por mês, cada parlamentar pode utilizar até R$ 8.400 para ressarcimento de despesas como: locomoção, alimentação, aquisição de combustível, contratação de consultoria, auditoria e apoio técnico.

No Portal da Transparência da prefeitura, busca foi pela receita da taxa de iluminação pública. (Foto: Marcos Ermínio)
No Portal da Transparência da prefeitura, busca foi pela receita da taxa de iluminação pública. (Foto: Marcos Ermínio)

Carona – No Portal da Transparência da Prefeitura de Campo Grande, na parte de convênio, a última informação disponível é de 2016, portanto, não foi possível localizar, por exemplo, o desembolso no convênio com o governo do Estado para tapa-buraco, vigente neste ano.

No quesito pessoal, é oferecida a remuneração nominal dos servidores. Na opção licitações, um avanço é que os editais podem ser consultados na íntegra com apenas alguns cliques. Já as "caronas" em pregões de outras prefeituras não foram encontradas.

MPE não informa valores de licitações. (Foto: Marcos Ermínio)
MPE não informa valores de licitações. (Foto: Marcos Ermínio)

Sem valor – No portal do Ministério Público Estadual, a remuneração de procuradores, promotores está disponível na opção “contracheque”. Os dados são nominais.

A transparência também informa o valor do repasse do duodécimo, denominado como crédito orçamentário liberado. No setor de licitações, é possível consultar dados como andamento e objeto. Porém, não há informações pormenorizadas dos editais e, principalmente, valores.

O dado só foi localizado em outra aba licitação, disponível na parte de acesso rápido. Dos dois editais datados de 2017, um foi suspenso e não detalhava o edital. A obra em questão era reforma no gabinete do PGJ (Procurador-Geral de Justiça). 

Fiscalização - De acordo com a Lei 131/2009, que trata da implantação de portais da transparência por todos os entes da federação, compete ao respectivo Tribunal de Contas e ao Ministério Público receber denúncias e atuar quando ocorre o descumprimento das nomas.

Segundo o Ministério da Transparência, a sanção prevista é o impedimento de receber transferências voluntárias (recursos repassados pela União aos Estados, DF e municípios mediante convênios, acordos, ajustes ou outros instrumentos similares).

Respostas  – A prefeitura de Campo Grande informa que tem empreendido esforços para atender e ampliar a disponibilização dos dados públicos municipais de forma transparente para a sociedade.

“As informações referentes aos repasses estaduais são contabilizados e assim que disponíveis estão no Portal da Transparência, os demais repasses União e Convênios remetem diretamente ao portal que realiza o repasse, apesar de não termos um link, as mesmas informações podem ser encontradas no portal do Governo”, informa a prefeitura.

Sobre as “caronas”, a administração municipal sustenta que mantêm as informações relativas aos editais e demais questionamentos sobre licitações abertas, em andamento e já realizadas, disponíveis no Portal da Transparência. E que as atas de adesões são publicadas no Diário Oficial.

A Assembleia Legislativa informa que os subsídios do deputados constam no Portal da Transparência. Em março, o TJ/MS informou à reportagem que em obediência à Lei de Acesso à Informação todo e qualquer pagamento realizado a magistrados e servidores está disponível para consulta pública.

A reportagem entrou em contato por e-mail com a assessoria de imprensa dos demais citados, mas não recebeu resposta até a publicação da matéria.

Caminho tortuoso dificulta acesso de cidadãos à transparência pública
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