PF aponta "erro grosseiro" e "manobra" a favor da Solurb por conselheiro Chadid
Conselheiro usava telefone no nome da chefe de gabinete, que recebeu R$ 950 mil em transações
Conselheiro do TCE (Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul) desde 2012, Ronaldo Chadid, 60 anos, é investigado pela Polícia Federal por suspeita de negociata envolvendo o contrato que mantém a CG Solurb como responsável pelos serviços de coleta e tratamento de lixo em Campo Grande, firmado no mesmo ano em que ele foi nomeado para vaga na Corte. Ele foi um dos 20 alvos da operação "Mineração de Ouro", deflagrada nesta terça-feira (8) pela Polícia Federal.
Entre as suspeitas sobre Ronaldo Chadid pesam descobertas feitas com base nos dados obtidos com a quebra dos sigilos bancário e fiscal do investigado. Foram localizadas transações no valor de R$ 950 mil, entre 2015 e 2019, para a chefe de gabinete do conselheiro, Thais Xavier Ferreira da Costa, também sob suspeita e alvo da ação de ontem.
No apartamento dele, num prédio de luxo na Antônio Maria Coelho, foram apreendidos mais de 900 mil, em reais, dólares e libras.
As desconfianças quanto a Chadid, originário do Ministério Público de Contas, têm relação com a atuação ao analisar denúncias de irregularidades na contratação da CG Solurb pela prefeitura de Campo Grande, pelo prazo de 25 anos, com valor envolvido de R$ 1,8 bilhão.
Chadid foi relator de procedimento no TCE que, depois de denúncias de irregularidades no processo licitatório, inclusive com documentos emitidos pela Polícia Federal nesse sentido, acabou validando o negócio público. Neste ano, ao julgar ação popular, o juiz David de Oliveira Gomes, decidiu anular o contrato entre a prefeitura e a CG Solurb, mas a empresa recorreu e agora o caso aguarda o julgamento em segundo grau.
“Aponta-se que o investigado utiliza/utilizou telefone cadastrado em nome de Thais Xavier Ferreira da Costa”, informa texto da peça apresentada pela Polícia Federal ao STJ solicitando as diligências realizadas ontem, ao apontar estranheza na relação coma servidora.
"Absurdo" – Para a força-tarefa da Polícia Federal que investiga o caso, houve no mínimo erro grosseiro do Tribunal ao validar o processo de licitação da Solurb.
Conforme detalhadamente descrito às 872-879, após a concessão da liminar, o Conselheiro Ronaldo Chadid apresentou voto, referendado pelo plenário, pelo arquivamento do feito sob o argumento da perda de objeto, em razão da edição do novo Decreto Municipal, promulgado em decorrência da sua decisão liminar”, informa trecho da peça autorizando a operação.
Trata-se de reviravolta ocorrida entre o final de 2016 e o começo de 2017. Primeiro, a prefeitura anulou o contrato no fim do ano. A empresa recorreu ao TCE, que, em liminar de Chadid, determinou o retorno da validade do negócio, até que fosse concluída a análise do mérito do processo.
Em janeiro de 2017, em cumprimento à decisão da Corte, o Município revalidou o contrato. Os conselheiros, então, arquivaram o procedimento.
“A fundamentação da decisão aparenta estar eivada de erro grosseiro, na medida em que o Tribunal reconhece a perda de objeto do processo pela edição de Decreto Municipal, que foi promulgado por determinação da própria Corte de Contas”, está descrito na representação da Polícia Cfederal.
Em sua decisão, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Francisco Falcão comenta a sustentação dos investigadores a respeito. “A Polícia Federal sustenta que a decisão seria inconsistente e teratológica, visto que o Tribunal de Constas deixou de analisar as constatações da Controladoria-Geral da União e os elementos de prova que resultaram na anulação do contrato bilionário da Prefeitura Municipal com a CG SOLURB, ante as graves irregularidades identificadas”, cita.
No entendimento da equipe policial, “não é possível que todos os Conselheiros do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul possam ter cometido um erro tão absurdo e grosseiro ao concordar com tal voto, de forma que, somado aos demais elementos colhidos, fica claro, a nosso ver, que os Conselheiros do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul estão corrompidos pela organização criminosa que detém o controle do consórcio CG Solurb”.
Essa organização criminosa, segundo descrito, é liderada pelo empresário João Alberto Kramp Amorim, empreiteiro que já chegou a ser preso na operação Lama Asfáltica, que apurou desvios milionários em recursos públicos destinados à Proteco Engenharia.
Amorim é relacionado como o verdadeiro dono da Solurb, embora não esteja presente nos documentos de constituição da empresa, formada pela Financial e LD Construções.
O trabalho policial indica ainda “manobra” realizada quando a ação que questiona o contrato caminhava para a anulação. Depois de dois anos em que havia sido declarada “a perda do objeto”, o assunto voltou a ser avaliado, com julgamento de recurso da prefeitura, para decidir sobre o mérito, ou seja a reclamação contra o contrato feito por Alcides Bernal.
O TCE, então, segundo explanado pela PF, “acolhe embargos de declaração opostos pelo Prefeito Municipal, confessando o absurdo jurídico e decide o mérito do processo”. Nas palavras da Corporação, além de extremamente estranho o fato de levar dois anos para julgar os embargos de declaração ou aceitar embargos de declaração após tanto tempo, tal decisão coincide com a apresentação das alegações finais na ação que corria na 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande.
Nesse processo, O Ministério Público se manifestou pelo cumprimento do decreto de Bernal. “Ou seja, quando o absurdo cometido pelo TCE/MS possivelmente resultaria em decisão judicial de anulação do contrato entre a Prefeitura de Campo Grande e a CG SOLURB, tudo indica que o TCE/MS realizou uma “manobra” para reabrir o processo administrativo em questão, modificar a decisão anterior e evitar que a ação popular fosse julgada procedente, anulando a contratação bilionária do Consórcio CG SOLURB”, diz trecho da representação.
Respostas – A reportagem procurou Ronaldo Chadid, mas o telefone disponível não completava as ligações. Foi tentado contato no Tribunal de Contas, mas a informação é de que o órgão não vai se manifestar por ora sobre as apurações, que envolvem mais dois conselheiros, Osmar Jeronymo e Waldir Neves, suspeitos de outras irregularidades temas de cobertura do Campo Grande News.
O TCE só tem expediente pela manhã, por isso a funcionária citada no texto também não foi localizada.
A defesa de João Amorim, citado nas apurações, é feita pelo advogado Alberto Toron, de São Paulo, que não respondeu ainda ao chamado da reportagem.
O advogado Ary Raghiant, que representa a Solurb em processos judiciais, lembrou que a empresa não é parte do inquérito. Reforçou, ainda, que os donos oficiais são as empresas já citadas, conforme consta do contrato social.
"A concessionária não tem conhecimento sobre a operação em questão, nem tão pouco foi formalizada/noticiada, pelos órgãos envolvidos, sobre os fatos", respondeu a Solurb ao ser procurada.
(Matéria atualizada às 16h54 para acréscimo de informação)