Sonho de qualquer prefeito, cidade tem R$ 27 milhões de excesso em arrecadação
Ribas do Rio Pardo se prepara para receber 8 mil pessoas e triplicar arrecadação com dinheiro da celulose
Investimento de R$ 14,7 bilhões, a fábrica de celulose da Suzano ainda está na etapa de terraplanagem, representada num incessante “formigueiro” de centenas de caminhões e máquinas, mas já faz soprar ventos de prosperidade sobre Ribas do Rio Pardo que já é chamada de "Suzanópolis", pelos impactos da "maior indústria do mundo" nesse setor.
A 103 km de Campo Grande, o município tem R$ 27 milhões de excesso de arrecadação, vai triplicar o orçamento e projeta oito mil novos moradores até 2027.
Na entrada da cidade, que margeia a BR-262, a estátua de um boi se projeta na paisagem, mas é a celulose que injeta milhões e faz Ribas do Rio Pardo crescer às pressas. Para 2021, o município de 25.310 habitantes aprovou orçamento de R$ 129 milhões, mas o dinheiro não para de chegar.
Nós já pedimos, agora no dia 5 de agosto, uma suplementação orçamentária por excesso de arrecadação da ordem de R$ 27 milhões. E teremos, aproximadamente, entre setembro e dezembro, algo em torno de mais R$ 15 milhões de excesso de arrecadação. Vamos fazer outra suplementação orçamentária”, afirma o prefeito João Alfredo Danieze (Psol).
O excesso de arrecadação é atribuído ao ISS (Imposto Sobre Serviços) gerado pelas terceirizadas que prestam serviço para a Suzano; ao ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis); à receita de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), gerada com a demanda por alimentação, vestuário; medidas de contenção de “despesas desnecessárias”, que resultaram em economia de R$ 7 milhões no comparativo entre 2020 e 2021; e cobrança da dívida ativa por meio de 2.500 ações judiciais.
Ele afirma que a mudança no orçamento ainda não foi oficializada porque essa etapa depende da Câmara Municipal. A declaração sobre o Legislativo é feita medindo as palavras. João Alfredo tem cinco vereadores na base aliada. Como a Câmara tem 11 parlamentares, agora depende de mais um apoiador para ter a maioria na Casa de Leis.
No quesito valores, a projeção é de que Ribas do Rio Pardo tenha orçamento de R$ 350 milhões em 2027, com a população chegando a mais de 33 mil pessoas.
“Na verdade, o impacto vai ser sentido quando a fábrica entrar em operação, que se inicia, provavelmente, no primeiro trimestre de 2024. Ela vai ter faturamento da ordem de R$ 4 bilhões por ano e irá gerar impostos. Há o repasse para o município, que, num primeiro instante, duplicará o orçamento em 2025 e 2026. E, com toda certeza, vamos triplicar o orçamento. Teremos aí um orçamento da ordem de R$ 350 milhões no terceiro ano de funcionamento da fábrica”.
A entrevista ao Campo Grande News é em seu gabinete, numa simples, mas organizada prefeitura. No lado esquerdo do peito, ele leva o crachá com nome, foto e cargo. A identificação funcional faz parte da “profissionalização” que almeja imprimir no serviço público. Com uma caneta laser, o prefeito, lembrando um guia turístico, mostra na foto aérea da cidade como planeja o crescimento do município, que deve marchar para o Sul e para o Oeste.
Uma das preocupações é evitar a expansão imobiliária em direção à fábrica, que é erguida a 10 km do perímetro urbano, sentido a Água Clara. Pelo estudo de impacto ambiental, um raio de 5 quilômetros no entorno da planta industrial deve ser desabitado.
“Temos que blindar por razões envolvendo o estudo de impacto ambiental. Ele dispõe sobre um cinturão de segurança de 5 km do eixo da fábrica. Isso quer dizer que no entorno da fábrica não é possível certas construções”.
Primeiros leitos de UTI e asfalto novo
Enquanto se apressa em crescer para comportar tantas pessoas e investimentos, Ribas do Rio Pardo tem estrutura de saúde de cidade pequena. O hospital municipal 19 de Março vai ganhar os primeiros seis leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) nas contrapartidas firmadas entre a Suzano e o governo do Estado.
Atualmente, a empresa já doou equipamentos para dois leitos semi-intensiva, com respiradores e monitor cardíaco. Nos casos graves, a regra ainda é a “ambulancioterapia”, com transporte dos pacientes para Campo Grande.
De acordo com o prefeito, na esfera estadual, as compensações preveem mais 54 salas de aulas, pavimentação de 130 km da estrada entre Ribas e Camapuã (obra de R$ 230 milhões), construção de nova delegacia da Polícia Civil e batalhão para a Polícia Militar. O quartel do Corpo de Bombeiros foi inaugurado há menos de um mês.
Já as exigências municipais de contrapartidas são discutidas por um comitê municipal, que reúne representantes dos poderes e da sociedade. Afeito aos números, o prefeito pondera não saber o valor exato que será repassado ao município, preferindo nem repassar estimativa à reportagem.
Por outro lado, a administração municipal já concedeu incentivos para a gigante fábrica da Suzano, mas sem doação de área, sendo o terreno da empresa.
“Não houve isenção de impostos, até porque implica em renúncia de receita, o que é proibido. O município, através do seu Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico, reduziu alguns impostos e essa foi a compensação. De forma idêntica a que outros municípios também fizeram”.
Ciclos econômicos de verde e cinzas
A exemplo estadual, o primeiro indutor do crescimento em Ribas do Rio Pardo foi o trem, com a inauguração da estação local no ano de 1914. Naqueles idos, as mudanças chegavam, mas em ritmo mais lento. No ano seguinte, em 1915, foi criado o distrito policial. Passados três anos, veio a primeira escola. Formado por terras de Campo Grande e Três Lagoas, o atual município de Ribas do Rio Pardo foi instalado em 19 de março de 1944.
Hoje, a estação ferroviária, na Rua José Coleto Garcia, é só mais um retrato da decadência do transporte de passageiros pelo modal ferroviário. Os ruídos vêm do moradores de ocasião, enquanto a estrutura é corroída pelo tempo.
O prefeito José Alfredo resgata outros ciclos da economia rio-pardense. Entre o fim da década de 70 e começo da de 80, a área cultivada de eucalipto chegou a 500 mil hectares, bem mais do que os 300 mil hectares plantados atualmente.
“Na gestão do general Garrastazu Médici, com a alta do petróleo, era preciso criar energias alternativas e uma das fontes foi a madeira. Criaram incentivos fiscais naquela época para investir em floresta. Aqui, como a terra era barata e, em regra, é arenosa, plantou-se quase 500 mil hectares de eucalipto. Mas aí, o petróleo abaixou e não foi mais interessante mexer com a madeira. O João Batista Figueiredo acabou com o incentivo fiscal. Vieram os incêndios, que acabaram com tudo, restando grandes paliteiros”, relata.
Depois, Minas Gerais, dona de grande polo siderúrgico no Brasil, descobriu Ribas do Rio Pardo para fazer carvão. Neste triste capítulo, nos anos 90, ganharam destaque a situação degradante das carvoarias e o trabalho infantil.
As carvoarias avançaram sobre a madeira, que hoje, atrai a fábrica de celulose. O município tem cerca de 40 carvoarias em atividade, uma siderúrgica que foi reativada com 180 empregos diretos e 450 indiretos, pecuária (que ocupa 65% da área do município), 50 mil hectares de soja e se prepara para sediar a fábrica da Suzano.
O prefeito não vê perigo de a celulose também, como nos outros ciclos econômicos, decidir dizer adeus para Ribas do Rio Pardo.
“Não há esse problema. A Suzano está fazendo investimento de quase R$ 15 bilhões. Quem investe R$ 15 bilhões, investe para ficar. Não há porque ter receio. É o maior canteiro de obras do País. Deve ter pico de 10 mil trabalhadores entre o final de 2022 e início de 2023. Hoje, são em torno de 1.500 trabalhadores ligados à obra”.
O Campo Grande News solicitou autorização para visitar a obra, mas a empresa informou que ainda não é possível receber jornalistas no local. A reportagem também solicitou, na data de primeiro de setembro, entrevista sobre o empreendimento e aguarda retorno.