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Memórias históricas de quem esteve no cenário da guerra

Por Paulo Nonato de Souza | 19/10/2023 08:29
Em Tel Aviv, 1995, época em que atentados com carro-bomba e homens-bomba eram rotineiros (Foto: Arquivo pessoal)
Em Tel Aviv, 1995, época em que atentados com carro-bomba e homens-bomba eram rotineiros (Foto: Arquivo pessoal)

O recente conflito Israel-Palestina, na região da Faixa de Gaza, com milhares de pessoas mortas depois que o grupo terrorista Hamas atacou o lado israelense da fronteira, dia 7 deste mês, fez com que a atenção do mundo se voltasse mais uma vez para uma guerra que parecia sob controle. É um duro golpe na paz que já se imaginava consolidada entre os dois inimigos históricos.

Tenho muitas lembranças bem claras do período em que estive na região em 1995, apenas dois anos depois do acordo de paz assinado (em 13 de setembro de 1993, em Oslo, na Noruega), pelo primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin e o líder palestino Yasser Arafat. Era uma época em que os atentados com dezenas de mortos eram rotineiros, quase que diários.

Viajar para o Oriente Médio era como assinar a própria sentença de morte. Confesso que, de todas as minhas andanças pelo mundo, foi em Israel onde enfrentei momentos de muita tensão pela minha vida. Desembarquei na cidade de Tel Aviv em maio de 1995, num momento em que o balanço dos confrontos entre israelenses e palestinos já apresentava 26 mortos em ataques de homem-bomba e carro-bomba, somente naquele mês.

Minha missão no país era a cobertura do amistoso de futebol entre as seleções do Brasil e de Israel, mas não foi difícil perceber que qualquer um podia ser uma vítima do terror, a qualquer momento, seja qual fosse a nacionalidade. Tive os primeiros sinais de que não estava viajando para um destino turístico qualquer bem antes de desembarcar em Tel Aviv.

Isso ficou evidente já na conexão do meu voo para Israel, no Aeroporto Internacional de Frankfurt, na Alemanha. Na hora do embarque, a simples tarefa de localizar o balcão da El Al Israeli Airlines, a companhia aérea israelense, foi uma grande aventura. Comigo estava o radialista Arthur Mário, atualmente na Rádio Hora, de Campo Grande. Depois de muito andar por todo o aeroporto, e muito perguntar, avistamos o letreiro azul com o nome da El Al em uma área externa que parecia nem fazer parte do aeroporto.

Ufa! Que alívio! Sim, mas nem tanto. O acesso até o balcão da El Al era um extenso corredor formado por soldados israelenses armados de metralhadora. Já na área de imigração a surpresa foi perceber o quanto os agentes de Israel sabiam sobre mim em uma época ainda muito distante desse mundo interligado pela Internet em que vivemos atualmente. “Vejo que você muda muito de lugar. Saiu de Naviraí para Dourados, depois se mudou para Campo Grande, depois foi para São Paulo. Por quê isso?”. Até hoje não entendo como sabiam tanto da minha vida.

O desembarque em Tel Aviv, com todos os procedimentos de imigração feitos na Alemanha, foi como desembarcar em um aeroporto brasileiro. Havia muita tensão no ar, estava evidente na postura acelerada das pessoas, mas nas ruas não havia nenhum sinal físico de que o país estivesse sob ataque de palestinos. A rapidez com que o governo reconstruía tudo após cada atentado fazia parecer que nada estava acontecendo.

No dia seguinte ao jogo do Brasil, fui conhecer Jerusalém na companhia do narrador Arthur Mario, que também estava na cobertura do amistoso de futebol. Eu que já havia sido expulso de um táxi por não falar hebraico, consegui um taxista israelense que falava espanhol misturado com inglês. Combinei o preço de 100 dólares ida e volta e lá fomos nós para Jerusalém.

No caminho perguntei como seria se algum palestino invadisse a rodovia. Aí ele disse: “You’re kidding me. Árabos tienen que morir”. Enquanto falava, abriu o porta-luvas do carro para mostrar uma submetralhadora que, segundo ele, tava pronta para ser usada. Depois, empinou o corpo na direção do volante do carro e exibiu um revolver na cintura. Ao longo do trajeto de 70 Km de estrada desde Tel Aviv, a conversa do taxista foi em torno de “muerte a los árabos”.

Chegando em Jerusalém, eu e Arthur Mário fomos conhecer os pontos religiosos, começando pelo Muro das Lamentações, os lugares por onde Jesus Cristo andou e seguimos para o Monte das Oliveiras, localizado ao lado de um cemitério construído antes do nascimento de Jesus Cristo. Tava tudo indo bem até que, do nada, surge um grupo de quatro jovens palestinos propondo fazer o trabalho de guia turístico em troca de 80 dólares.

Como não concordamos, um dos rapazes ficou enfurecido e passou a nos empurrar. Na medida em que eles vinham pra cima, a gente andava pra trás. Já a um passo de cair colina abaixo (são 61 metros de altura), o nosso taxista apareceu segurando sua metralhadora com a mão direita na altura da cabeça. Chegou falando um monte de palavras que não entendi, mas os jovens palestinos certamente entenderam, tanto que saíram correndo. Ficamos sem ação, estáticos, e o taxista foi enfático no seu inglês misturado com espanhol: “I told you...I told you.....Árabos tienen que morir…”, esbravejava ele visivelmente nervoso.

Na volta para Tel Aviv, o clima no taxi era de silêncio absoluto. Achando que iria ajudar, fiz um comentário nada inteligente para o momento: “Vamos torcer pelo sucesso do acordo de paz assinado por Yitzhak Rabin”. Aí a reação do taxista me deixou sem palavras: “I hate Rabin, we hate Rabin. I want to kill him. Yo quiero matarlo. No queremos paz con los arabos".

Essas palavras nunca saíram da minha cabeça, nem mesmo a mistura de idiomas. Alguns meses depois, já no Brasil, ao ver na tevê a notícia do assassinato do primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin, em 4 de novembro de 1995, imediatamente pensei: “Foi o taxista”. Na verdade, Rabin foi assassinado pelo militante direitista Yigal Amir, que tal qual o taxista, não queria acordo de paz com os palestinos.

No Muro das Lamentações, em Jerusalém,  lugar de fazer orações e pedidos escritos em bilhetes inseridos em buracos nas lajes de pedras (Foto: Arthur Mário/Arquivo pessoal)
No Muro das Lamentações, em Jerusalém,  lugar de fazer orações e pedidos escritos em bilhetes inseridos em buracos nas lajes de pedras (Foto: Arthur Mário/Arquivo pessoal)

Guerra do Yom Kippur - Embora esteja sempre sob tensão desde a criação de Israel em 1948, desde 1973, quando ocorreu a Guerra do Yom Kippur, entre 6 de outubro a 26 de outubro, que envolveu outros países como Síria e Egito, a região não vivenciava uma guerra como esta desencadeada no último dia 7. Desde então não houve mais conflito militar entre israelenses e os países vizinhos, apenas os confrontos com grupos de resistência palestina contra o governo de Israel.

A Faixa de Gaza - É um pequeno território de 41 km de extensão e apenas 6 a 12 km de largura com uma área total de 365 quilômetros quadrados. É onde se concentra uma das maiores densidades demográficas do mundo, com cerca de dois milhões de habitantes, a maioria de ascendência árabe e de fé islâmica. Junto com a Cisjordânia, a Faixa de Gaza forma a Palestina, que busca reconhecimento internacional como país. Em nível político-internacional a região é representada pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP), mas localmente quem dá as cartas é o grupo extremista Hamas.

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