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2016: um ano de extremos para a produção de milho

Por Rubens Augusto de Miranda (*) | 18/11/2016 10:40

Em 2012, os Estados Unidos se defrontaram com uma quebra recorde na produção de milho, superior a 100 milhões de toneladas em relação ao que se esperava colher na ocasião. Em decorrência da frustração da safra americana, os preços do cereal no mercado internacional apresentaram uma alta sem precedentes. Vale lembrar que não foram apenas os EUA que sofreram com estiagens nesse ano; secas ocorreram em todo o mundo, tanto no verão do hemisfério Sul como no verão do hemisfério Norte.

O Brasil, que apresentou problemas apenas no Rio Grande do Sul na safra verão, iniciou em 2012 a escalada de produção na safrinha, quando pela primeira vez colheu-se mais no inverno do que no verão. O resultado da segunda safra, até então recorde, permitiu ao país aumentar as suas exportações, acessando mercados que antes eram quase que exclusivos dos EUA. A partir desse ano emblemático, o Brasil foi aumentando ainda mais a sua produção de milho, com a segunda safra, assim como também melhorou a sua participação no mercado internacional do cereal, com exportações cada vez significativas.

Um novo ano atípico se desenhou em 2016, só que agora os papéis se inverteram. Os últimos relatórios do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos indicam que o país colherá uma safra recorde, superior a 380 milhões de toneladas de milho, que é o resultado de uma das maiores áreas já plantadas com a maior produtividade já obtida, atingindo quase 11 toneladas por hectare. Somente no Estado de Iowa estima-se uma colheita de 68 milhões de toneladas de milho, produção superior à brasileira em 2015/16, e com produtividade de 12,5 t/ha.

Ao contrário do que se imagina pelo senso comum é irônica a capacidade de geração de problemas que a fartura proporciona. A grande safra de milho somada à safra de soja igualmente recorde fará os EUA colherem aproximadamente 500 milhões de toneladas dessas duas culturas, 50 milhões de toneladas a mais do que no último ano.

Não é preciso dizer que isso representa um gigantesco desafio logístico para qualquer país, inclusive para os Estados Unidos. Não é à toa que o milho já começa a ser estocado a céu aberto, à espera de escoamento, e a disputa com o xisto por espaço nas ferrovias também não é fácil. Tal precariedade frente a safras abundantes não é exclusiva de regiões brasileiras como no Mato Grosso.

Se administrar os problemas logísticos de tamanha produção já não fosse o bastante, a atual safra sucederá duas grandes safras nos EUA. Ou seja, os preços já deprimidos pela oferta abundante nos últimos anos deverão sofrer novo baque. Os preços à vista na faixa de 3,8-3,9 US$/bushel, que já estavam abaixo dos custos de produção, deverão cair ainda mais, prejudicando a rentabilidade da safra.

Com a produção de milho recorde quase consolidada, os norte-americanos agora têm o desafio de garantir preços e rentabilidade à colheita. Uma das formas de fazer isso é incrementar a demanda. Instituições como a Illinois Corn, por exemplo, trabalham no lobby para aumentar o nível de etanol de milho na gasolina comum, assim como o limite dos incentivos fiscais das distribuidoras que adquirem esse combustível. Entretanto, Phil Thornton, diretor de valor agregado da Illinois Corn, recentemente comentou que no curto prazo "a saída mais rápida é aumentar as exportações".

Assim, é de se esperar que os EUA aumentem a participação no mercado internacional de milho com mais exportações. Entretanto, a vida não será fácil para os EUA, Brasil, Ucrânia e Argentina, pois a China ameaça entrar no jogo. Recentemente o governo chinês concedeu autorização para algumas empresas exportarem milho, montante que, segundo fontes internas, seria algo em torno de dois milhões de toneladas num primeiro momento.

Apesar dos valores de exportação iniciais limitados, o retorno da China como vendedora no mercado internacional de milho assusta, considerando que em dados extraoficiais o país pode ter entre 200 e 250 milhões de toneladas de milho estocadas. Além disso, vale lembrar que a China possui vantagens logísticas por ter a clientela no quintal de casa, pois cinco dos 10 maiores importadores de milho estão na Ásia.

Situação interna
Pode-se dizer que 2015 e o início de 2016 foram um período mágico para a produção de milho no Brasil, com oferta abundante e preços de soja para a saca de milho. Na safra 2014/15 produziu-se, nas estimativas da Conab, 84,7 milhões de toneladas de milho, recorde histórico para o país. Naturalmente, essa oferta abundante seria acompanhada com a queda nos preços domésticos do grão, mas ocorreu que a depreciação cambial do Real tornou o milho brasileiro muito competitivo.

Assim, em 2015, foram exportadas 28,9 milhões de toneladas de milho, o que segurou os preços internos do cereal em patamares estratosféricos. Em meados de 2016, a média nacional da saca de milho chegou a quase R$ 45, sendo que em muitas regiões consumidoras o valor alcançou a marca dos R$ 70.

Os problemas da safra de soja 2015/16 no Centro-Oeste já prenunciavam problemas também da segunda safra de milho, com plantios tardios ou mesmo a desistência do plantio. Infelizmente, o pior ainda estava por vir. O clima no decorrer da segunda safra castigou as lavouras de milho de norte a sul do país, sem exceção. A produtividade despencou em todas as regiões do Brasil, com destaque para as quedas de 36,3% no Centro-Oeste, 45% no Sudeste e 54,8% no Nordeste.

A queda de 12,8% da produtividade no Paraná foi compensada, em termos de produção, pelo aumento de 14,8% na área plantada com milho no Estado. A produção de milho no Centro-Oeste reduziu 11 milhões de toneladas em relação ao ano anterior e só não foi pior por causa do aumento de 9,1% na área plantada. A redução total da segunda safra de milho deverá chegar a 13,5 milhões de toneladas.

Devido à tradição de vendas antecipadas de milho no Centro-Oeste, principalmente no Mato Grosso, o risco imediato é o não cumprimento de contratos fechados. Segundo a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja-MT), a situação é complexa e a instituição garante que dará o suporte necessário nas negociações com as tradings. O descumprimento de contratos quebra o elo de confiança, dificultando negociações futuras.

Além dos problemas relativos aos compromissos assumidos, os prejuízos dessa quebra estão afetando o planejamento da nova safra 2016/17. Segundo Ivan Wedekin, presidente da Câmara Temática do Crédito, Seguro e Comercialização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), essa quebra afetará a compra dos insumos da safra 2016/2017, principalmente a de milho. Nas suas palavras, "esta quebra afeta essa próxima safra com certeza, já que as perdas dos plantadores de soja e milho podem superar os R$ 16 bilhões, comprometendo o financiamento do plantio".

Em 2012, os EUA enfrentaram uma quebra de safra de proporções maiores do que o Brasil hoje e isso não impediu que o país colhesse sucessivas safras recordes nos anos seguintes. Neste caso, a diferença entre os produtores dos Estados Unidos e do Brasil é que os norte-americanos usufruem de um mercado de seguros agrícolas amplo e que funciona muito bem, enquanto que os brasileiros se defrontam com algo ainda incipiente. O seguro agrícola no Brasil precisa ser tratado mais seriamente e os problemas da safra que passou devem servir de alerta.

Por fim, adicionando ingredientes à confusão, a apreciação do câmbio nos últimos meses, a venda de milho pela China, assim como a agressividade dos EUA nas exportações conjugam para a queda das exportações brasileiras no curto prazo, assim como os preços da saca no mercado doméstico. A princípio, a situação não deve piorar no curto prazo, mas nunca se sabe que surpresas a China nos reserva. Por fim, fica a mensagem de que o momento é de cautela e que o produtor não pode deixar os preços altos, ainda vigentes, obscurecerem a racionalidade no planejamento da próxima safra, que já começou.

(*) Rubens Augusto de Miranda é pesquisador da área de economia agrícola da Embrapa Milho e Sorgo

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