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A Internação Provisória Socioeducativa como a exceção à excepcionalidade

Por Gabriela Brant (*) | 11/01/2024 08:30

A internação provisória socioeducativa (IP) é a única medida cautelar prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para aplicação a adolescentes sendo processados pelo cometimento de atos infracionais. O magistrado pode determiná-la com base em indícios suficientes de autoria, materialidade e na imperiosa necessidade da medida, conforme estabelecido no art. 108 do ECA.

A IP é limitada a 45 dias e deve obedecer às noções basilares do Estatuto, o princípio da brevidade, do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e da excepcionalidade.

A excepcionalidade, de maneira mais detalhada, refere-se à ideia de que a institucionalização deve ser considerada como a última opção, aplicada somente quando nenhuma outra medida for adequada ao caso concreto.

Esses três princípios atuam em conjunto para que a privação de liberdade seja vista como a última alternativa disponível. Mesmo quando aplicada, deve ser utilizada pelo menor tempo possível, levando em consideração as circunstâncias específicas do adolescente.

Atualmente, aproximadamente 20% do total de adolescentes brasileiros privados de sua liberdade estão confinados em unidades socioeducativas de maneira provisória, ou seja, sem sentença condenatória, segundo dados dos Levantamentos Anuais do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e dos 16.º e 17.º Anuários Brasileiros de Segurança Pública.

Essa taxa manteve-se relativamente estável durante os últimos 14 anos. Tal estabilidade coloca-se como significativa, no contexto do sistema penal juvenil, por dois aspectos principais: a sua temporalidade e o aumento vertiginoso dos adolescentes internados no mesmo período.

Nesse contexto, é importante questionar se tais números não demonstram um quadro sistemático de violações, com uma aplicação, na prática, mais ampla da IP frente ao intentado pelo ECA.

Foi esse o objeto de análise da pesquisa Temerária Liberação: a internação provisória socioeducativa à luz do princípio da excepcionalidade, desenvolvida por Gabriela Brant, sob orientação da doutoranda Deborah Soares Dallemole e da professora Ana Paula Motta Costa, no âmbito do Observatório de Pesquisa em Juventude e Violência (ObservaJUV) da Faculdade de Direito da UFRGS e com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (Fapergs).

O trabalho, ganhador da Menção Honrosa das Ciências Sociais Aplicadas no XXXV Salão de Iniciação Científica UFRGS, utilizou o princípio da excepcionalidade para aprofundar os conhecimentos atuais sobre a internação provisória socioeducativa, comparando o Estatuto da Criança e do Adolescente com as legislações juvenis do Canadá e da Costa Rica, assim como analisando as decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em relação às hipóteses de aplicação da IP.

No contexto comparativo da análise, foram observadas diferenças significativas entre os três países. O Canadá, embora não tenha explicitamente mencionada a excepcionalidade, incorporou essa noção em sua legislação, estabelecendo uma variedade mais extensa de critérios cumulativos para a aplicação da internação provisória, implementando medidas cautelares alternativas e, embora não tenha definido um prazo máximo, exigindo uma fundamentação rigorosa para a sentença, evitando a manutenção da medida para a maioria dos adolescentes após a primeira revisão.

Por outro lado, a Costa Rica, assemelhando-se ao Brasil, adota uma abordagem mais principiológica, identificando explicitamente seus princípios orientadores e não impondo restrições efetivas ao poder estatal. No entanto, inova ao requerer apenas critérios de natureza cautelar e ao estipular a revisão da sentença de prorrogação da IP por um tribunal superior.

No âmbito empírico, ao analisar os acórdãos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) julgados em 2022 frente aos pedidos de habeas corpus impetrados por adolescentes já submetidos à IP, torna-se evidente um campo de disputa em relação à aplicação da internação provisória e aos requisitos para reconhecer a legalidade desse ato.

A posição majoritária, defendida pela Sétima Câmara e parte da Oitava, assume uma perspectiva punitivista, fundamentada na lógica de adolescentes como objeto da intervenção estatal ao invés de sujeitos de direito.

Nessa abordagem, as justificativas afastam a excepcionalidade da medida, examinando superficialmente os indícios de materialidade e autoria, e entendem implicitamente que, como medida de caráter educativo, não se deve restringir a atuação do Estado.

Contrastando com isso, as decisões garantistas da Oitava Câmara fundamentam-se no princípio da excepcionalidade, exigindo uma análise detalhada das provas apresentadas, com o objetivo de restringir ativamente a privação de liberdade provisória e aumentar o ônus probatório.

Além disso, há uma avaliação mais criteriosa da necessidade imperiosa da medida, a aplicação da Súmula 492 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a demanda por uma fundamentação idônea, rejeitando a ideia de gravidade abstrata dos atos infracionais. Isso não impede a aplicação da IP, já que há previsão legal no ECA para tal, mas limita a discricionariedade.

Nesse sentido, a principal conclusão do trabalho é de que o princípio da excepcionalidade, ao ser inserido na legislação juvenil brasileira de forma abstrata, sem uma materialização específica nos artigos e sem restrições concretas à ação estatal, não protege efetivamente os adolescentes contra ações discricionárias nem restringe adequadamente a privação de liberdade durante um período crucial de desenvolvimento de suas identidades.

(*) Gabriela Brant é graduanda do curso de Ciências Jurídicas e Sociais da UFRGS e atua como pesquisadora bolsista de Iniciação Científica PROBIC-Fapergs no Observatório de Pesquisa em Juventude e Violência (CNPq/UFRGS).

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