A promessa de emprego em troca da retirada de direitos
Na madrugada de 14 de abril a Câmara dos Deputados aprovou com algumas mudanças, a MP 905, que entre outras medidas, criou o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo.
Neste artigo, vamos falar das alterações que a Câmara Federal fez no texto original da medida provisória. Agora, a aprovação precisa ocorrer até dia 20 próximo no Senado Federal ou a MP 905 deixará de existir.
A verdade é que nós como especialistas em direito previdenciário e direito do trabalho enxergamos na MP 905 a precarização das relações de trabalho e da proteção previdenciária.
Não acreditamos que sejam criadas novas vagas de emprego por conta da precarização dos direitos trabalhador e do segurado da previdência social e, ainda que fossem, acreditamos que esta não seja a maneira correta de aumentar a empregabilidade.
Melhor seria que o governo, no lugar de retirar direitos daqueles que mais precisarão de auxílio, especialmente em tempos de pandemia e após a situação de calamidade pública, achasse solução sem punir trabalhadores.
Entenda as mudanças mais importantes propostas pela MP 905, já com o texto aprovado ontem na Câmara Federal.
Quem pode ser contratado conforme a MP 905?
O Contrato de Trabalho Verde e Amarelo era destinado somente a criação de empregos para a população entre 18 e 29 anos, para fins de registro do primeiro emprego, com Carteira de Trabalho e Previdência Social.
Na Câmara Federal foram inseridos os trabalhadores com mais de 55 anos de idade e desempregados há 12 meses ou mais.
Infelizmente, uma nova maneira de entender o que pode ser enquadrado como novos postos de emprego, o que permitirá maior alcance da medida, foi incluída na Câmara.
Originalmente as empresas tinham que criar novos postos de trabalho e estes seriam considerados como tal, quando ultrapassassem a média de empregados registrados entre 1º de janeiro e 31 de outubro de 2019. Agora, foi criada a opção de se considerar novo posto de trabalho aquele que ultrapassar a média dos três últimos meses anteriores à contratação, se esta for menor que a de 2019.
Nesse momento de pandemia, todos sabem, houve demissão no país inteiro. E elas continuam em ritmo preocupante. Isso fará com que essa média a ser considerada para novas contratações seja reduzida, aumentando o número de postos de trabalho que serão precarizados.
Se considerarmos que os Contratos Verde e Amarelo serão sempre com menos garantias e salários mais baixos, já que não podem ultrapassar 1,5 salário mínimo, é certo que os empregos estão sendo fragilizados e a população empobrecida.
Para fins de caracterização como primeiro emprego, não serão considerados vínculos anteriores de menor aprendiz, contrato de experiência, trabalho intermitente e trabalho avulso.
Ressalvado os vínculos acima citados, é importante destacar que os trabalhadores anteriormente contratados por outras formas de contrato de trabalho e demitidos, não poderão ser recontratados sob a modalidade Verde e Amarelo, exceto após 180 dias da dispensa.
Diminuição de Encargos Trabalhistas e Previdenciários
Já dissemos que para a contratação de empregados nesta modalidade há limitação de até 1,5 salário mínimo. Nessas contratações, as empresas não pagarão nem a contribuição previdenciária de 20% e nem as alíquotas pagas ao Sistema S, que variam entre 0,2% a 2%.
Originalmente havia ainda a previsão de isenção do salário-educação de 2,5% e a redução do FGTS, de 8% para 2% do salário e permanece em 8%.
Houve também a redução da multa sobre o FGTS em caso de demissão, que sai da Câmara em 20% nos Contratos Verde e Amarelo.
Somando as reduções todas nos encargos, os empresários terão economia de 70% e ainda podem parcelar verbas rescisórias.
Antecipação e parcelamento de verbas
No art. 6º da MP 905 há uma previsão de antecipação do 13º salário e férias proporcionais com ⅓ de gratificação. Nesse caso, ao final de cada mês trabalhado o empregador poderá pagar a remuneração do trabalho, somada ao valor respectivo de 13º salário e férias + ⅓.
Há quem defenda que a previsão favorece o trabalhador.
No entanto, o objetivo desta mudança foi diminuir o impacto para o empregador, do desembolso do valor integral de 13º salário e férias + ⅓.
Ao trabalhador que recebe os valores de forma parcelada fica o fato de que não haverá pagamento maior ao final do ano, para fazer frente às maiores despesas e tampouco poderá contar com o pagamento das férias somadas a gratificação, quando puder gozar delas.
Essas antecipações chegaram a sair do texto da MP na Câmara, mas por um destaque retornaram e irão ao senado. O mesmo ocorreu com a redução da multa sobre o FGTS.
Quantos trabalhadores podem ser contratados nesta modalidade por empresa?
Originalmente a Medida Provisória previa um limite de 20% do total dos empregados da empresa. Modificado na Câmara, o texto passou a permitir que empresas contratem com a Carteira Verde e Amarela até 25% dos trabalhadores da empresa.
Aquelas com até 10 trabalhadores serão autorizadas a contratar duas pessoas pelo programa, mesmo que tenham sido abertas neste ano.
O prazo de duração do contrato desta modalidade é de no máximo 24 meses, e quando ele perdurar por mais tempo se torna contrato por tempo indeterminado, sem aplicação das medidas da MP 905.
Trabalho aos domingos
A MP previa o trabalho aos domingos e feriados sem o pagamento diferenciado, ou seja, sem qualquer acréscimo.
Nesse caso o texto da MP 905 foi modificado pelos deputados, retirando a possibilidade de extensão do trabalho aos domingos e feriados a todas as categorias, sem acréscimo de pagamento.
Acidente em trajeto ou percurso
O texto original da MP trazia a mudança da natureza do acidente ocorrido no trajeto entre a casa e o trabalho, ou vice e versa. O acidente de trajeto, que sempre foi considerado acidente de trabalho, se transformaria então em acidente comum.
Essa mudança traria enormes prejuízos ao trabalhador pois com a EC 103/2019 a aposentadoria por incapacidade só é de 100% para trabalhadores que tenham ficado incapacitados em razão de acidente de trabalho ou doença ocupacional ou para quem tenha trabalhado e contribuído para o INSS por 40 anos antes de ficar incapacitado.
Na Câmara foi incluído um novo artigo que restabelece a natureza acidentária a qualquer acidente de trajeto, para fins de pagamento de benefícios previdenciários.
Seguro-desemprego
A mudança no texto da MP na Câmara diz respeito ao pagamento de contribuição previdenciária pelo desempregado, sobre o seguro desemprego.
A MP previa que o desempregado seria “contribuinte obrigatório” enquanto recebesse o benefício.
A nova versão da MP torna facultativo o pagamento de Previdência social sobre os valores recebidos de seguro-desemprego e prevê alíquota fixa de 7,5% sobre o seguro. Vantagem ao trabalhador é que o seguro desemprego com incidência de INSS fará com que o tempo conte para fins previdenciários.
SEM MUDANÇAS NA CÂMARA
A MP retira ainda outras garantias e direitos dos trabalhadores, tais como:
- a possibilidade de reduzir o adicional de periculosidade de 30% para 5% desde que o empregador faça acordo individual com o seu empregado e pague seguro de acidentes pessoais;
- retira a gratificação compensatória dos bancários que exercem cargo de confiança, direção, gerência, fiscalização e chefia, de no mínimo ⅓ do salário;
- acaba com a jornada de 6 horas do bancário, que permanece somente para os caixas;
- retira a natureza salarial do auxílio-alimentação, o que diminui a contribuição previdenciária e de tributos incidentes;
- altera o valor do auxílio acidente de 50% do salário de benefício para 50% do benefício a que teria direito o trabalhador, em caso de aposentadoria por incapacidade (aqui, uma redução que pode chegar a 50%)
Enfim, o que se nota com a MP 905 é que o trabalhador terá menos direitos para menos empregos, se ela for aprovada como está.
Não se teve notícia, até hoje, de leis que tenham criado vagas de emprego retirando direitos dos trabalhadores. A última lembrança amarga que temos disso foi a Reforma Trabalhista de 2017. De lá para cá, em vez da prometida criação de empregos, o que se viu foi o aumento exponencial de trabalhadores informais, desempregados e desalentados.
Até quando acreditaremos que empregos serão criados com o sacrifício de quem deles precisa para sobreviver?
(*) Priscila Arraes Reino, advogada especialista em direito previdenciário e direito do trabalho, coordenadora adjunta do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário por MS, vice presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de MS, primeira secretária da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB/MS, e palestrante. Visite nosso site: www.arraesecenteno.com.br