A reforma administrativa deve ser do Estado e não de governos
Assim como 2023 foi o ano da reforma tributária, o ano de 2024 será o ano da reforma administrativa. Diversos seminários já estão sendo realizados país afora para discutir o tema que é de extrema importância por várias razões, mas principalmente porque os gastos governamentais anuais superam quatro trilhões de reais — o que equivale a 38% do PIB. Aí encontram-se os custos dos cerca de 11 milhões de servidores públicos existentes em todos os níveis e instâncias, ou seja, governo federal, prefeituras e governos estaduais, assim como também no Poder Legislativo e no Judiciário.
O ponto central que queremos enfatizar é que os funcionários públicos, sem exceção, devem trabalhar para o Estado e não para governos. Para isso precisamos de uma reforma que liberte o Estado, hoje capturado por inúmeros grupos de interesse. Além disso, a reforma deverá delinear muito bem o que é atribuição do Estado e o que é atribuição de governo.
Nas discussões que hoje ocorrem, fala-se muito de aspectos ligados ao funcionalismo público — salários, quantidade de funcionários, estabilidade, novos métodos de avaliação de performance, formas para se conseguir aumentar a produtividade da máquina pública etc. Nada disso é novo, e deve-se tomar cuidado para que, nesses debates, inclusive os que ocorrem dentro do Congresso, não se queira “inventar a roda”, pois já há países, principalmente na Europa, que conseguiram construir setores públicos primorosos.
Há um vício perigoso quando uma reforma administrativa é conduzida por um governo ou por parlamentares, devido à tendência de elaborarem algo que seja favorável a eles próprios, mas não ao Estado brasileiro. E no Brasil há uma enorme confusão entre Estado e governo.
Estado é toda sociedade política, e o governo é apenas um de seus componentes. O fato é que o Estado é composto pelo Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, mas o Estado é permanente e não deve mudar quando há uma mudança de governo. Este é o ponto principal que nos tira eficiência e faz com que a cada quatro anos tenhamos que começar tudo de novo, quando a oposição é eleita. Sem contar que essa é uma das razões para o Brasil não ter planejamento de longo prazo e muito menos uma estratégia de país.
Em países avançados, com uma administração moderna, como a França ou a Alemanha, quando se elege um governante, seja ele presidente ou primeiro-ministro, o máximo que este consegue é indicar os vários ministros. Todos os outros funcionários que vão se reportar aos ministros virão dos cargos de carreira, e, para chegar a este posto, cada funcionário público teve que prestar um concurso e ser aprovado. O mesmo acontece com os presidentes das estatais, que sempre se reportam a algum ministro e obrigatoriamente devem ser recrutados entre os funcionários concursados da própria estatal. Nesses países não existem cargos de confiança.
No Brasil, segundo o IBGE, há quase um milhão de pessoas em cargos de confiança — apenas em Brasília estão 30 mil. E o pior é que são esses que dirigem nosso país, sem terem feito sequer concurso público, muitas vezes sem estarem preparados, mas foram escolhidos por serem fiéis e leais a algum político. Ou seja, cargos de confiança significam 10% do total de servidores públicos no Brasil. A maioria desse nomeados possui como única qualificação fazer parte do mesmo partido político do dirigente eleito ou ser amigo de algum parlamentar. Sem contar que muitas vezes a razão da nomeação é o nepotismo.
Enfim, será que precisamos dos cargos de confiança? Por que não obrigar a existência de carreiras e concursos para todos?
Com certeza o Brasil ganhará muito se a atual reforma administrativa impuser a atuação exclusiva de funcionários da carreira e concursados no setor público. Nomeações devem existir, mas apenas para o segundo escalão: ministros de Estado ou secretários estaduais e municipais. Os demais cargos podem perfeitamente ser recrutados dentro dos quadros de carreira, por pessoas contratadas após terem feito seus respectivos concursos públicos.
Que vantagem o País leva com esse um milhão de nomeações políticas? Setor público moderno é bem diferente disso.
(*) Paulo Feldmann é professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP.