A Universidade e a gestão da pandemia
“Catástrofe” parece menos duradoura; “drama”, menos intenso; “tragédia”, menos plural. É difícil qualificar a covid-19; a pior experiência coletiva de nossa geração. Também é difícil qualificar a gestão da pandemia na administração pública federal. Um horror; deu tudo errado, até o que não podia acontecer, aconteceu. Do envio para o Amapá das vacinas destinadas ao Amazonas à crise no abastecimento de oxigênio. Incompetência, má-fé, dolo – o que justifica interromper o monitoramento de casos, a oposição à vacina, a promoção de tratamentos ineficazes? Quantos casos poderiam ser evitados por meio da gestão; quantas vidas teriam sido salvas! A pandemia nos convida a pensar na gestão como estratégia para reduzir o sofrimento.
Há um espaço onde isso ocorreu. A gestão da pandemia é um sucesso das universidades públicas paulistas, da USP em especial. Quando a emergência global chegou ao Brasil, em março de 2020, a USP colocou toda sua comunidade em trabalho remoto em poucos dias. Não houve atraso no calendário escolar; professores que nunca haviam dado uma aula on-line aprenderam a fazê-lo com nossas equipes de tecnologia da informação. A Universidade assinou os softwares necessários, distribuiu kits de acesso à Internet para estudantes com dificuldades de conexão, emprestou equipamentos para quem precisou incrementar seu home office.
Mas nem tudo são flores. O rearranjo na esfera domiciliar amplificou o estresse que a doença já causava por si só. O tempo usualmente gasto no trajeto foi o primeiro a ser absorvido pelo home office. A adaptação às novas formas de comunicação e a necessidade de novos conhecimentos sobre a doença avançaram sobre nosso tempo de repouso e lazer, pondo em risco a saúde mental. Pior ainda para quem tem nos afazeres domésticos a segunda jornada de trabalho, para quem tem filhos pequenos ou cuida de parentes idosos. Estes arcaram com um peso ainda mais elevado para equilibrar tantas demandas.
Com o declínio da primeira onda, iniciamos o retorno às atividades presenciais no segundo semestre de 2020. Mas suspendemos tão logo a segunda onda despontou. 2021 foi o ano da variante gama, a onda mais letal e demorada. A USP não deixou de distribuir quentinhas para os estudantes que dependiam dos restaurantes universitários; o atendimento à saúde foi mantido nos hospitais e centros de saúde ligados à Universidade. O Centro de Saúde Geraldo Paula Souza, da Faculdade de Saúde Pública, foi apontado como a unidade que mais vacinou contra o coronavírus na capital.
Em 2022, enfim retornamos ao trabalho presencial, com uma série de cuidados adicionais. Registro de vacinação; uso obrigatório de máscara; escalonamento dos horários de aula. A criação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento veio amplificar o vínculo de solidariedade entre funcionários, docentes e estudantes. A gestão do retorno, assim como no afastamento, foi motivo de conforto, segurança e redução do risco.
A pandemia trouxe a necessidade de produzir novos conhecimentos. A aplicação do trabalho universitário para esse desafio é mais um elemento de sucesso da gestão da pandemia na Universidade. A USP participou de cerca de um quarto de todos os estudos sobre covid-19 realizados no País que foram indexados internacionalmente. Enquanto adoecíamos e acompanhávamos o sofrimento de nossos familiares e conterrâneos, produzimos conhecimento sobre a fisiopatologia e epidemiologia da doença, a atenção médica e o cuidado de enfermagem, o planejamento dos serviços de saúde, sem descuidar das demais doenças durante a emergência sanitária.
Gestão do cuidado com as pessoas. Promoção da saúde, produção científica, dedicação ininterrupta ao ensino. Nesses dois anos, a USP se manteve no caminho correto, jogou no time da proteção social. Que sirva de exemplo para nossos governantes.
(*) José Leopoldo Ferreira Antunes, professor e diretor da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.