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A vida não acontece apenas nas férias

Por Cristiane Lang (*) | 13/01/2025 13:30

Vivemos em um mundo que coloca as férias no pedestal: o período idealizado para descansar, aproveitar e “realmente viver”. É fácil cair na armadilha de contar os dias até aquela semana de descanso enquanto a rotina vai passando no piloto automático. Mas o que isso revela sobre como encaramos a maior parte do nosso tempo?

A equação do cotidiano

Se considerarmos que a maioria das pessoas trabalha cerca de 48 semanas por ano para ter 4 de férias, a conclusão é óbvia: passar 90% do tempo esperando pelos outros 10% parece um péssimo negócio. A rotina não precisa ser um campo de batalha ou algo a ser suportado. Pelo contrário, é ali que, gostemos ou não, as nossas vidas de fato acontecem.

Por que, então, dedicamos tão pouco esforço a enxergar valor nos dias comuns? A busca incessante pelo “momento perfeito” faz com que ignoremos tudo o que está acontecendo enquanto o aguardamos. E a verdade é que os momentos perfeitos raramente chegam embalados como esperamos.

A repetição e o significado

É na repetição que construímos grande parte do que somos. Trabalho, família, compromissos – tudo isso molda nossas vidas de uma maneira que as férias, por mais incríveis que sejam, jamais conseguiriam. Isso não significa romantizar tarefas cansativas ou a falta de pausas, mas aceitar que é na constância do dia a dia que as coisas realmente acontecem.

Um dia de trabalho pode não parecer especial, mas ele sustenta as estruturas que nos permitem viver, construir e planejar. Um jantar comum em casa pode não ter o glamour de um restaurante caro nas férias, mas está cheio de histórias, interações e pequenos gestos que constroem a intimidade e os laços que importam.

Uma relação prática com a rotina

Talvez a questão não seja “amar” a rotina, mas reconhecê-la como o que ela é: o palco onde a maior parte das nossas vidas acontece. Isso não exige idealizações, mas uma mudança de olhar. Reconhecer que há valor em uma conversa no caminho para o trabalho, em terminar um projeto ou simplesmente em passar um tempo quieto em casa.

Planejar férias é importante, claro. Mas, ao restringir os melhores momentos da nossa vida a esses períodos curtos, estamos essencialmente declarando que o resto do ano é um espaço vazio entre um descanso e outro.

Equilíbrio em vez de fuga

Em vez de pensar na rotina como algo que deve ser compensado pelas férias, faz mais sentido encontrar formas de torná-la menos exaustiva. Isso pode incluir ajustar horários, delegar tarefas, cultivar atividades que tragam prazer no dia a dia ou simplesmente aprender a respeitar os próprios limites.

Ao invés de fugir para longe por uma semana para escapar do que nos cansa, é mais eficaz ajustar o que cansa para que a vida cotidiana se torne mais sustentável. Pequenos ajustes podem não ser tão empolgantes quanto uma viagem, mas criam um impacto mais duradouro.

Uma questão de tempo

A vida não está em suspenso enquanto esperamos pelas férias. Ela está acontecendo agora, na rotina. É ali que criamos histórias, formamos vínculos e moldamos quem somos. Se a maior parte do nosso tempo é gasto em dias comuns, não faz sentido ignorar o valor que eles têm. Afinal, o tempo é limitado – e não há férias suficientes no mundo que possam compensar uma vida inteira de espera.

(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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