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Ações afirmativas no ensino superior público latino-americano

Elizabeth Ruano Ibarra (*) | 01/08/2022 09:03

A literatura especializada revela que apenas sete países latino-americanos – Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, México, Peru e Uruguai –, entre 20 possuem alguma ação afirmativa para efetivar o direito ao ensino superior. Na Bolívia, algumas universidades públicas possuem programas de exceção dos custos de matrícula, alimentação e plano de saúde para estudantes de origem rural. A universidade Mayor de San Simón, em convênio com comunidades e organizações sociais rurais, admite diretamente três mil estudantes, prescindindo da prova de suficiência acadêmica e do curso propedêutico. As universidades Mayor de San Andrés e a Universidade de La Paz possuem programa de subsídio ao custo das refeições nos restaurantes universitários.

As cotas nas universidades públicas colombianas, fundamentadas pelo artigo 13 da Constituição, pelas Sentenças da Corte Constitucional T-422/96 e T-371/2000 e pelo Conpes 3310 de 2004, abraçaram inicialmente aos povos indígenas e posteriormente a afro-colombianos, raizales e palenqueros. Segundo estudo de 2010, 15 entre 19 Instituições de Educação Superior (IES) possuíam alguma iniciativa de cotas para a população negra. No México, 18 universidades públicas oferecem programas de assistência acadêmica e social como desconto na taxa de inscrição e gratuidade no restaurante e no alojamento estudantil.

No Equador, o artigo 74 da Lei Orgânica de Educação Superior (Loes), de 2010, propôs a instrumentalização obrigatória de cotas para grupos historicamente discriminados. Somente em 2019, foi expedido o regulamento del Sistema Nacional de Nivelación y Admisión (SNNA) que dispõe sobre essa política. Uruguai as regulamentou mediante a Lei 19.122 de 2013, voltada para reparar as consequências do racismo e promover a participação escolar e laboral de pessoas afro-uruguaias ou afrodescendentes.

No Peru, somente 2,5% da população indígena tem acesso à universidade, o processo de admissão de pessoas originárias de povos amazônicos é regulado por cada IES a depender da totalidade de vagas. Como política de permanência, as universidades públicas oferecem três refeições diárias gratuitas nos restaurantes universitários. Universidades de Equador e Peru exoneram do pagamento de matrícula vítimas da violência da década de 1990.

Nesse contexto, o Brasil tornou-se referente latino-americano na implementação de políticas afirmativas no ensino superior. Como desdobramento da mobilização social pela democratização do acesso, o Decreto presidencial de 2002, do governo Cardoso, oficializou as ações afirmativas. Em 2003, o governo Lula criou o Ministério para as Políticas de Promoção da Igualdade Racial e implementou o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). O governo Rousseff sancionou a Lei de Cotas nº 12.711 de 2012, que dispõe sobre o ingresso às Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) e técnico de nível médio. A Portaria nº 13 de 2016 do Ministério da Educação incentiva a adoção de cotas na pós-graduação considerando os mesmos grupos contemplados pela normativa da graduação – negros, indígenas e pessoas com deficiência. Essa normatividade favoreceu a mobilização de outros públicos e identidades, tais como estudantes de comunidades tradicionais e quilombolas e pessoas da comunidade LGBTQIAP+.

Há que destacar que nos países latino-americanos as ações afirmativas são desdobramentos das demandas dos movimentos sociais. Políticas afirmativas de acesso e permanência são imperativas diante do percentual de estudantes em situação de risco de desligamento ou desvinculação universitária. Segundo o Censo da Educação Superior brasileira (2018), entre quem trancou a matrícula apenas 3,7% recebiam apoio social para permanência, enquanto 7,6% não teve acesso a nenhum tipo de assistência. O cenário é mais dramático no grupo de quem já foi desvinculado, 14,5% não teve nenhum tipo de apoio e 6% alguma assistência.

Para tanto, o debate acadêmico latino-americano é relativamente consensual em que essas ações contribuem corrigindo inequidades e diversificando o perfil discente universitário, principalmente no que diz respeito à classe e raça-etnia. Outros desdobramentos sinalizam repercussões concernentes à visibilidade de conhecimentos marginalizados e ao exercício cidadão mediante o alargamento de espaços democráticos e de instâncias representativas universitárias.

(*) Elizabeth Ruano Ibarra é doutora em Ciências Sociais com ênfase em Estudos Comparados sobre as Américas (Ceppac/UnB). Professora Visitante Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam/UnB). Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais - Estudos Comparados sobre as Américas (PPG/ECsA/ELA/ICS/UnB).

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