Andar sem marcha a ré
Nas marchas do tempo, não há marcha a ré. O fluxo da vida sempre nos empurra pra frente, independentemente das situações que se apresentam. Quer seja nos sentindo felizes ou não, somos compelidos ao movimento, a andar, e de preferência, sem nenhuma muleta emocional. Afinal, isso é exigido de todos nós por parte da Existência. O amor eleva; já os apegos, de qualquer natureza, atravancam a jornada espiritual e causam sofrimentos desnecessários.
Buscar o fortalecimento interior levou-me a dedicar intensamente ao autoconhecimento. Na busca pelo aprofundamento espiritual, viajei para a Índia. Visitar o país de nascimento de Gautama Buddha foi viajar para dentro de mim mesma, experienciar um modo de viver totalmente diferente, voltado para a interiorização e a espiritualidade, e que plantou em mim a semente do retorno.
Identifiquei-me com as terapias corporais energéticas e com a meditação. Sentia-me atraída, especialmente, pelo mistério que representava para mim a arte da cura pelas mãos, tão natural no Oriente. Perguntava-me como era possível, através do toque das nossas mãos, aliviar o sofrimento físico, psicológico e espiritual de uma pessoa. Achava incrível perceber, no meu corpo e no de outras pessoas, a manifestação da energia.
A minha própria vivência ao sentir e perceber a dimensão sutil da expressão do ser humano deu-me conhecimento experiencial e bastante embasamento a esse respeito. Assim, ao retornar ao Brasil, iniciei a minha carreira profissional de terapeuta corporal Ayurveda.
Através da meditação, descobri um espaço de relaxamento e silêncio, desconhecido para mim, que me causou um profundo bem-estar. Bem-estar que não dependia de nada externo. Vislumbrei as possibilidades que a meditação nos abre. Mas foi na Índia, ao lado de um Ser Desperto, que tomei consciência da amplitude das dádivas do silêncio interior.
Na minha segunda viagem, conheci Kiran Kanakia, místico sufi indiano. Um mestre iluminado é fonte de luz, silêncio, amor e sabedoria. O Mestre é o Grande Terapeuta. Sentar-se com o Mestre é sentar consigo mesmo, aprender a atravessar a ponte do espaço exterior para o interior, ir pra dentro de si com consciência, sem escapatórias.
Dei-me conta de que tudo, sem exceções, valera a pena em minha vida, mesmo as tempestades mais fortes, que me sacudiram intensamente, que me obrigaram ao árduo exercício do desapego de tantas coisas e de muitos sonhos também.
“Deus escreve certo por linhas tortas”, lembra o dito popular. Questiono-me se as linhas são tortas de fato ou se torta é a nossa visão... E Osho afirma: “A Existência é mais sábia que você e irá proporcionar-lhe todas as oportunidades necessárias para o seu crescimento”.
Ao conviver com o Mestre comecei a sair da cegueira, dos limites do meu pequeno mundo, e vislumbrei a dimensão ampla e transcendente do ser humano. Este é um dos presentes que a Índia e o encontro com Kiran Kanakia me deram: o despertar para o sagrado e o reconhecimento da nossa própria divindade.
Compreendi que a vida é constante movimento que traz mudanças, ondas diferentes que vêm e vão, causando em nós uma diversidade de sensações e emoções – prazer, dor, alegria, frustração, raiva – mas com entendimento, confiança e equilíbrio aprende-se a olhar os desafios de maneira relaxada. Sem desespero, há segurança para colocar os pés no chão e andar sem medo da vida. Afinal, ela é nossa amiga, e não inimiga.
Meu pai dizia: “A pessoa, sabendo viver, não tem destino ruim e, quando se tem ritmo, equilíbrio, é difícil dar errado”. Uma vez ou outra, a gente perde o rumo, mas também isso faz parte do processo de aprendizado de todos nós. Porém, o silêncio sempre apruma, voltamos ao centro de onde se ouve a voz do comando interior – a voz da força da vida em nós -, que dá a orientação correta da direção a prosseguir em cada momento.
Kiran K. deu o exemplo da água quando fica turva pela lama. Quanto mais a revolvemos, mais ela permanecerá suja. Se tivermos paciência e não a movimentarmos, a lama se assentará naturalmente, e a água ficará limpa e transparente outra vez. Com clareza vê-se a realidade tal como ela é: sem julgamentos e projeções. Decisão tomada a partir dessa condição de clareza será assertiva e levará cada um ao rumo determinado pela própria vida.
(*) Enildes Corrêa é administradora, palestrante; terapeuta corporal Ayurveda e professora de Yoga com formação e aperfeiçoamento na Índia.
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