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Arte em relação com budismo e cerâmica

Mariana Wartchow (*) | 02/02/2022 08:30

O texto aqui apresentado foi escrito a partir do trabalho de conclusão de curso em Licenciatura em Artes Visuais do Instituto de Artes da UFRGS intitulado Arte e Espiritualidade – budismo e cerâmica em uma produção poética coletiva. A pesquisa tratou do tema arte e espiritualidade a partir de uma produção cerâmica pessoal e sua relação com o budismo. Questões como autoria coletiva e métodos participativos e colaborativos também foram pesquisados e abordados, uma vez que o processo poético desenvolvido teve esse caráter.

A espiritualidade ainda é um tema pouco explorado nas pesquisas do Instituto de Artes da UFRGS. Esta pode ter muitas interpretações, mas trago a relação com o espaço de sabedoria infindável, no qual todos os elementos se tornam uma única essência pura, secreta e sem fim. A definição de arte que se relaciona a este trabalho vem da perspectiva budista na qual o aspecto central é a compaixão; é a partir dela que surge a intenção do artista. A arte está como caminho para essa relação e percepção de uma essência insubstancial, porém fonte de toda a criatividade. O artista apenas age iluminando esse aspecto presente em todos e em tudo. A arte se dá na troca, na percepção do presente, no que há de mais profundo, no cotidiano, acessível para todos.

Em meio à pandemia e ao isolamento, surgiu a intenção de compartilhar uma atividade significativa. Então, partindo de uma prática pessoal que une a cerâmica com reflexões de referência budista, foi lançada uma proposta coletiva intitulada “Projeto Artístico Malas Gigantes”, onde as pessoas poderiam se inscrever para participar e acompanhar as aulas, oferecidas gratuitamente via online, para a produção das esferas que compõem um Mala budista. O trabalho teve sua base nas cinco sabedorias budistas, que são: acolhimento, generosidade, discernimento, causalidade e transcendência.

O Mala, que é um colar com 108 contas utilizado na tradição budista para a contagem das preces, foi escolhido como referência para a montagem final de um grande mala coletivo, pois os textos que amparavam o pensamento da artista propositora, relacionando arte e espiritualidade, vinham de mestres e professores budistas. Esse Mala, que normalmente é utilizado como um colar, ganhou grandes dimensões, pois suas contas foram produzidas pelos participantes em cerâmica com um tamanho médio de 7 centímetros de diâmetro.

O projeto foi dividido em três etapas: produção das esferas de argila, queima para torná-las cerâmica e montagem. Tendo nesse processo momentos de produção individual e posteriormente coletiva, com a reunião de peças de várias pessoas para compor uma ou mais obras coletivas.

O convite inicial era para que fossem feitas esferas ocas de argila, ao mesmo tempo que se desenvolvia um olhar para a própria mente, conectando um fazer manual a um processo meditativo.

Essa fase do projeto teve um tempo ampliado para possibilitar que várias peças fossem feitas, com a exploração da repetição de uma mesma forma, mas com muitas possibilidades de acabamentos. O efeito da repetição cria um espaço na mente e contribui para a percepção da experiência que é única para cada um a cada vez.

A noção de experiência na pesquisa foi estabelecida em diálogo com o autor e professor de filosofia da educação Jorge Larrosa, que traz o saber da experiência com a perspectiva de que esta é o que nos acontece. No projeto atuamos no sentido da busca de nos conectarmos ao que se passa em nós durante a produção das esferas e da montagem das peças para formar o Mala.

As esferas de argila entram como um elemento para ajudar a olhar para si mesmo, mas estas precisam ser furadas para que possam ser queimadas e para que futuramente um fio possa passar pelo seu interior, permitindo a conexão de muitas esferas. Com a reunião delas temos o aspecto material e simbólico de estarmos juntos.

O tema da arte muitas vezes é trazido dentro do budismo como uma forma de exemplificar ensinamentos e como uma forma de prática, desenvolvida especialmente por mestres como Chogyam Trungpa, que traz a abordagem da arte do Darma, e Tenzin Wangyal Rinpoche, que traz a criatividade espontânea como parte da natureza de todos e com potencial de mudanças positivas e relação com o sagrado.

Nesse projeto tivemos uma forte relação entre a academia e a comunidade. A produção acadêmica estimulava a pesquisa e seus desdobramentos voltavam aos participantes e a outras pessoas indiretamente relacionadas. As atividades não tinham custo, bastando o interesse e vontade de se conectar. Os participantes inscritos foram acadêmicos, ceramistas, praticantes budistas e público em geral; a diversidade de idades, áreas de conhecimento e interesse foi grande. Diferentes aspectos motivaram cada um para participar: alguns nunca tinham feito cerâmica e desenvolveram essas habilidades, outros nunca tinham feito meditação e se conectaram ao aspecto contemplativo, alguns partiam do vínculo com a prática budista e tiveram a arte como meio para se soltar praticando. Ainda houve a inter-relação familiar, onde as propostas alimentaram trocas entre integrantes das famílias.

Até o final da pesquisa, quatro Malas foram finalizados. Um foi doado para a Escola Caminho do Meio, em Viamão, que tem a base da sua construção pedagógica nas cinco sabedorias budistas, sendo rifado para arrecadar fundos para a instituição. O segundo foi instalado coletivamente na área do Centro de Estudos Budistas Bodisatva, em Viamão. O terceiro também foi instalado coletivamente no prédio do Centro de Estudos Budistas Bodisatva, em Lajeado. O quarto Mala se localiza em Maringá (PR) e fez parte de uma exposição realizada na cidade. Outros Malas e instalações ainda devem ser realizados com esferas que já temos prontas e outras que ainda serão produzidas. Os vídeos das aulas podem ser acessados no YouTube, na playlist “Projeto Malas Gigantes” – e na #projetomalasgigantes temos mais algumas imagens compartilhadas ao longo do projeto.

(*) Mariana Wartchow é licenciada em Artes Visuais pela Universidade federal do Rio Grande do Sul, integrante do grupo de pesquisa Poéticas da Participação, vinculado ao Instituto de Artes.

 

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