Cultura nerd em espaços museológicos
Quando pensamos em alguém que tenha interesse em jogos, histórias em quadrinhos, ficção científica e fantasia, buscamos esse “alguém” em um estereótipo constituído em nossas mentes. A figura do nerd foi estabelecida pelas mídias na década de 1980 e permanece bem clara nestes tempos. Apesar de essa imagem muitas vezes surgir com conotação pejorativa, ela faz parte de uma construção social de indivíduos capazes de se distinguir no coletivo a partir de certos interesses e identificações, ou seja, trata-se de um movimento cultural relevante para estes grupos.
Como forma de contribuir para a pesquisa da ‘cultura nerd’, meu trabalho de conclusão de curso em Museologia, orientado pela professora Vanessa Barrozo Teixeira Aquino, com o título “Cultura nerd em espaços museológicos: uma análise da exposição Quadrinhos do MIS São Paulo”, analisou as estratégias comunicacionais utilizadas pelo Museu de Imagem e do Som de São Paulo para compor a expografia “Quadrinhos” (2018), que propunha uma reflexão sobre o papel das instituições museológicas como agentes para a legitimação da cultura nerd.
A cultura nerd, origem de identificações, memórias e práticas sociais, nem sempre é reconhecida como tal. Nascida do mercado de entretenimento, se apresenta em diversos objetos triviais do nosso cotidiano, passando por vezes despercebida. Pensar na ‘cultura nerd’ é pensar em como ela é, também, merecedora de estar presente em lugares de preservação de memórias. Mas sempre há alguém para fazer aquela pergunta: “Mas cultura nerd é cultura de verdade?”.
Aponto no meu trabalho que esse estranhamento que alguns grupos sociais têm com essa cultura pode se dar pela compreensão ultrapassada de que objetos e histórias contemporâneas podem não ser consideradas importantes o suficiente para se transformarem em patrimônio cultural, ainda mais sendo uma cultura tão atual e presente na internet.
A característica da juventude da cultura nerd também pode causar essa dúvida por conta de que muitos dos objetos, das mídias e dos gostos que são cultivados ainda durante a infância, e que continuam na fase adulta, permitem pensar que os nerds se autoinfantilizam, quando, na verdade, é uma questão relacionada à memória afetiva.
É por essa pequena questão ainda invadir a cabeça de muitos que a presença da cultura nerd em museus e instituições culturais pode ser um caminho para a sua legitimação.
O MIS São Paulo é uma instituição que preserva acervos de tipologia audiovisual e que vem, desde 2012, realizando eventos e exposições que contemplam a cultura nerd, sendo uma delas a megaexposição “Quadrinhos”, realizada em 2018. A instituição, assim, se torna um agente legitimador dessa cultura.
Com modelo expositivo caixa preta, conforme o qual a exposição se caracteriza por recursos cenográficos interativos e por proporcionar ao visitante uma experiência multissensorial, a “Quadrinhos” convidou milhares de nerds do Brasil para mergulharem na história das histórias em quadrinhos. Lá era possível encontrar vários elementos expográficos imersivos, tais como réplicas e painéis de madeira em tamanho real, plotagens, recursos interativos, uso de diferentes cores, trilha sonora, projeções e simulação de espaços.
Infelizmente, não pude colocar essa experiência neste estudo, pois não tive a oportunidade de visitá-la, mas, ao realizar pesquisa em diferentes plataformas digitais, é evidente notar como essa megaexposição impactou de forma positiva aqueles que a visitaram, criando um espaço de divulgação da cultura nerd e de reflexões e compartilhamento de histórias e memórias pessoais e coletivas.
A “Quadrinhos” pôde situar o visitante em outras dimensões, transportá-lo para dentro da narrativa que estava sendo contada. Nessa perspectiva, essa megaexposição imersiva pôde se assemelhar aos quadrinhos, às histórias que têm o poder de fazer o leitor viajar, se transportar para uma realidade reconfortante, assim como faz a cultura nerd a todos aqueles que se identificam como uma pessoa nerd.
O MIS São Paulo se tornou um espaço acolhedor para os amantes de jogos, filmes de super-heróis, de animes e mangás. Um lugar para além das convenções, das salas de cinema, da internet, ele trouxe lembranças, histórias e identificações.
Mesmo não sendo um patrimônio encontrado facilmente em outras tipologias de museus, realizar projetos educativos, pesquisas e exposições podem fazer com que a presença da cultura nerd nesses lugares se torne cada vez mais habitual, como foi o caso da exposição “Terra à vista e pé na lua”, realizada em um museu histórico, o Museu Histórico Nacional, onde se apresentou a trajetória de Ziraldo, artista contemplado também pela Quadrinhos, o qual é tão importante para a cultura nacional e para a cultura nerd brasileira.
Assim, esse movimento de exposições museológicas comunica a importância da ‘cultura nerd’, legitimando e preservando suas histórias e memórias para a sociedade.
(*) Gabriela Machado Leindecker é graduanda em Museologia pela UFRGS.
(*) Vanessa Barrozo Teixeira Aquino é docente do Programa de Pós-graduação em Museologia e Patrimônio da UFRGS.