Da dignidade humana
A dignidade é um tema que adquire relevância cada vez maior e exige necessariamente uma abordagem adequada de todos, não só do poder público, mas da sociedade como um todo. Acontecimentos brutais acontecem todos os dias em todas as partes do mundo e também no Brasil, infelizmente.
O que assistimos na semana passada com o assassinato de Moïse Kabagambe, o jovem congolês morto a pauladas em um quiosque da orla do Rio de Janeiro, é apenas mais um exemplo de ação humana deplorável. E contradiz o conceito mais elementar de dignidade. Evocarmos a dignidade humana é, obviamente, uma redundância, porque a dignidade só pode ser humana.
A dignidade é um atributo humano. É inerente ao ser humano. Decorre da consciência. É definida como respeito a si mesmo, amor próprio, brio, pundonor. Ou seja, todo ser humano é dotado dessa condição. Dignidade é uma qualidade da qual não se pode abrir mão.
O termo vem do latim dignitate, que significa honradez, virtude, consideração. O conceito de dignidade ganhou sua formulação clássica por Immanuel Kant: "No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade." O princípio da dignidade é um conceito filosófico e abstrato que determina o valor inerente da moralidade, espiritualidade e honra de todo ser humano, independentemente de sua condição perante qualquer circunstância.
Esse é um princípio fortemente influenciado pelo pensamento iluminista dos séculos XVII e XVIII. Portanto, a noção de dignidade já estava presente no pensamento dos intelectuais daquela época, e até mesmo no texto da constituição de países que passaram por revoluções burguesas no período, como a França e os Estados Unidos.
O princípio da dignidade humana é o conceito mais importante do ordenamento jurídico brasileiro, tanto que se encontra inserido no artigo 1º, da Constituição Federal, em seu inciso III: “Art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.” Ou seja, dentro da Carta Maior brasileira, a dignidade se apresenta com um dos fundamentos primários da constituição do Estado Democrático de Direito do país. Baseado também no primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a liberdade, a igualdade e a dignidade constam logo na primeira linha, seguidos da fraternidade: “Art. 1º: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.” A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada oficialmente pela ONU em 1948, pouco tempo depois de a humanidade ter presenciado os horrores das duas grandes Guerras Mundiais, estados de direito do mundo inteiro implementaram a dignidade humana e os direitos humanos como princípios fundamentais de suas relações jurídicas, como é o caso do Brasil, com a Constituição Federal de 1988.
É dever de cada um de nós conscientizar nossos irmãos de que o princípio da dignidade não pode adormecer na letra fria da lei. Temos que admitir que se um evento como esse – o cruel assassinato do jovem Moïse – passar em branco, nós falhamos como sociedade, como nação e como projeto civilizatório.
Que país é este, que pode dormir tranquilo depois de uma monstruosidade dessa? Para encerrar, reproduzo um texto atribuído a Baruch Spinoza (filósofo iluminista holandês, do século XVII): O que é a dignidade? É o respeito que você tem que ter consigo mesmo. É o valor que você dá a si mesmo como pessoa. Isso impede que você seja usado, abusado ou manipulado. Ter dignidade ensina que ninguém pode humilhá-lo, machucá-lo ou usá-lo como bem entender. Sem dignidade é impossível estabelecer limites.
É por isso que você tem que se amar. Você tem que se colocar em primeiro lugar. Você tem que recuperar sua autoestima. Ninguém nos ensinou... mas nunca é tarde para aprender. Dignidade é o amor que você tem consigo mesmo.
Heitor Rodrigues Freire (*) – Corretor de imóveis e advogado.