Dilemas da internação compulsória de dependentes químicos
Muito se tem discutido quanto à possibilidade de internação compulsória de usuários de drogas, principalmente diante das operações movidas pela Prefeitura do Município de São Paulo, na conhecida Cracolândia.
Mas para compreender a adoção de referida medida drástica é necessário antes de tudo, apreciar o que dita a legislação.
A Lei n.10.216/2001 disciplina sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, bem como a assistência à saúde mental, prevendo as possibilidades de internação psiquiátrica, ou seja, se a internação é voluntária, quando promovida com o consentimento do usuário; involuntária, quando sem o consentimento do usuário, mas a pedido de terceiro; e, compulsória quando determinada pela Justiça.
Registre-se que a internação somente é possível por meio de laudo médico que constate as implicações da dependência química na saúde mental do usuário.
Nesse ínterim, o Poder Judiciário é instrumento para promover a efetividade dos direitos, e por isso deve garantir a proteção ao cidadão, inclusive daqueles em situação de vulnerabilidade.
Se a Constituição Federal fundamenta ser direito de todos e dever do Estado a garantia da saúde (art. 196 da CF), inserindo tal direito à categoria de direito fundamental e social (Art. 6º da CF), é evidente que tal determinação legal promova ações efetivas.
O que é reforçado pela referida Lei 10.216/2001 e ainda pelo Documento das Nações Unidas n. A/ 46/ 49 de 17.12.1991 que trata dos "Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e para a Melhoria da Assistência à Saúde Mental", e prevê ser necessário o consentimento livre, sem ameaças ou influências, admitindo, porém, excepcionalmente que com a recusa irracional do paciente, a concordância seja suprida pelo consentimento de um representante legal ou autoridade independente.
Em São Paulo, as operações vêm sendo aplicadas sob a justificativa de tornar mais eficiente o cumprimento da lei, no entanto, é preciso considerar que as situações de internação compulsória só devem acontecer em situações extremas, nos casos de risco de morte devido à debilidade da saúde dos usuários, o que não é a realidade de todos da Cracolândia. Parte dos dependentes consegue discernir e decidir se aceitam ou não ser submetidos ao tratamento especializado.
Isso sem considerar que referida abordagem deve ser planejada e organizada para médio e longo prazo. Veja-se que não basta retirar os dependentes do local se não existem vagas suficientes em clínicas para o devido tratamento, que pode comprometer a efetividade da operação.
Logo, a adoção drástica pela internação compulsória só deve ser aceita nos casos de plena incapacidade de discernimento e com proeminente risco de morte para o dependente químico, além da análise de outros critérios clínicos considerados essenciais.
(*) Juliana Alfaia é mestranda em Direito pela Unimar, especialista em Direito Tributário e professora do curso de Direito da AEMS
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