Energias renováveis e mudanças climáticas
As energias renováveis são apontadas como fator importante no encaminhamento para a questão energética, principalmente se algumas coisas mudarem. Ao mesmo tempo, as mudanças climáticas se impõem catastroficamente sobre nosso modo de vida. Levam a pensar que precisamos rever o que estamos fazendo. As mudanças necessárias – revoluções, na verdade – não apontariam na mesma direção?
As sociedades modernas desenvolvem-se de modo centralizado. Grandes centros urbanos, vastas áreas não urbanas dedicadas à agricultura, o crescimento populacional e o crescimento das expectativas das populações por melhor qualidade de vida pressionam os recursos primários.
As energias renováveis vêm ocupando cada vez mais espaços nas matrizes energéticas. Grandes fazendas eólicas, com turbinas cada vez maiores, disponibilizam potências crescentes. Painéis solares fotovoltaicos, disponíveis agora quase “em qualquer esquina”, vêm apresentando custos de produção que seguem em queda.
Um melhor aproveitamento das energias renováveis, entretanto, ocorrerá em modelos de desenvolvimento descentralizados. Comunidades menores, buscando de modo otimizado aproveitar recursos disponíveis em escalas regionais, teriam engenheiros e técnicos próximos e capacidade própria para resolver problemas.
O uso racional da energia disponível poderia se tornar mais facilmente um costume presente na vida cotidiana dos cidadãos. A proximidade dos recursos energéticos aproveitados e dos especialistas envolvidos em sua operação e manutenção garantiria uma conscientização permanente da população.
Esse caminho contribuiria para amenizar os impactos sobre o meio ambiente. Ainda dependeremos por muito tempo dos derivados do petróleo, e uma maior distribuição espacial dos consumidores contribuiria para a redução dos impactos ambientais e da influência da emissão dos gases de efeito estufa.
É importante, entretanto, entender o que é descentralização. Em termos simples, descentralização refere-se à transferência de poder e controle de um ponto central para pontos locais ou distribuídos. Em um contexto socioeconômico, isso significa que comunidades, empresas e indivíduos têm mais autonomia para tomar decisões e agir de acordo com suas necessidades e capacidades específicas. A descentralização exigiria soluções inovadoras para garantir economia de escala na solução de alguns desafios, ao mesmo tempo que sinalizaria um caminho oposto aos modelos econômicos concentradores de riquezas.
A descentralização oferece uma abordagem mais flexível e resiliente para a implementação de tecnologias de energia renovável. Em vez de depender de grandes usinas de energia, uma sociedade descentralizada pode promover o uso de sistemas de energia locais e autossuficientes, como painéis solares, turbinas eólicas e pequenas centrais hidrelétricas.
Teríamos, assim, flexibilidade e resiliência, empoderamento comunitário e incentivo à inovação e à adaptabilidade. Sistemas descentralizados de energia são menos vulneráveis a falhas em grande escala. Se uma usina solar em uma comunidade falhar, outras fontes de energia na mesma região ou em regiões próximas podem compensar a perda.
Comunidades locais podem investir em soluções de energia renovável que mais bem se adaptem às suas condições climáticas e geográficas. Isso cria um senso de propriedade e responsabilidade sobre os recursos energéticos, incentivando a manutenção e otimização contínua.
Os grandes centros urbanos e os grandes consumidores industriais seguiriam existindo, ainda interconectados por sistemas energéticos continentais, como o que opera atualmente no Brasil. E, claro, poderiam fornecer suprimentos de energia às pequenas comunidades em situações excepcionais.
A descentralização não só facilita a adoção de energias renováveis, mas também desempenha um papel crucial na mitigação das mudanças climáticas por meio de várias vias. Permite uma transição mais rápida e eficaz para fontes renováveis de energia, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis e, consequentemente, as emissões de gases de efeito estufa. Comunidades descentralizadas podem desenvolver estratégias específicas para lidar com os impactos das mudanças climáticas, como elevação do nível do mar, eventos climáticos extremos e mudanças na biodiversidade.
Essas estratégias são mais eficazes do que abordagens padronizadas, que muitas vezes não consideram as particularidades regionais. Pode-se promover uma gestão mais sustentável dos recursos naturais, como recursos hídricos e florestas. Com maior controle local, as comunidades podem implementar práticas de conservação e uso responsável, contribuindo para a resiliência ecológica.
Embora os benefícios da descentralização sejam claros, existem desafios que precisam ser abordados para que essa transição seja bem-sucedida. A criação de uma infraestrutura descentralizada requer investimentos significativos em tecnologia e redes de distribuição de energia. Governos precisam estabelecer políticas que incentivem e facilitem a descentralização. Isso inclui subsídios para tecnologias renováveis, regulamentos que permitam a geração distribuída e programas de financiamento para projetos comunitários. Comunidades precisam ser educadas sobre os benefícios e as práticas de energias renováveis. Programas de capacitação são essenciais para garantir que as comunidades possam gerir de modo eficaz seus sistemas de energia.
Caminho promissor para o futuro, a descentralização permite que as energias renováveis e as mudanças climáticas sejam enfrentadas de modo sustentável. Ao transferir poder e responsabilidade para as comunidades locais, um sistema mais resiliente, adaptável e justo poderá surgir. Os desafios são reais, mas com vontade política, investimentos em infraestrutura e educação um futuro mais verde e descentralizado pode ser viabilizado.
(*) Alexandre Beluco é professor do Departamento de Hidromecânica e Hidrologia do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS.
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