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Era da Fervura Global: os desafios de governança e de justiça climática

Por Sonia Regina da Cal Seixas, Leila da Costa Ferreira e Ronei Thezolin (*) | 04/01/2024 12:46

Uma das últimas comunicações do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), de 2021, reforçou que as alterações recentes no clima são generalizadas, rápidas, mais intensas e sem precedentes em pelo menos 6.500 anos. A emergência climática já afeta todas as regiões da Terra, de muitas maneiras, e é indiscutível que as atividades humanas estão causando tais mudanças.

Frente a um desafio tão multifacetado como esse, espera-se também que as soluções sejam abrangentes, de modo a incluir diversas áreas da atividade humana e várias partes interessadas e diversos setores da sociedade, como, por exemplo, as agências multilaterais, governos, o setor privado, institutos de pesquisa e grupos da sociedade civil organizada.

Vale chamar atenção para duas recentes e importantes publicações. Uma na edição de setembro da Revista Fapesp, de cuja capa constam uma arte e um título importantes para nossa reflexão. Diz a chamada da publicação: “A Terra Esquenta – Sem freio, o aquecimento global provoca o mês mais quente dos últimos 150 anos e agrava a crise climática”. Comenta-se na revista que o mês mais quente da história recente, julho de 2023, quebrou recordes de temperatura e amenizou até o inverno no Hemisfério Sul.

A temperatura global atingiu 20,96°C em 31 de julho, dia mais quente na história recente do planeta, destaca o jornalista Marcos Pivetta. Em outra matéria, publicada na edição do Jornal da Unicamp relativa à quinzena de 16 a 29 de outubro, apresenta-se uma capa tão impactante quanto a anteriormente mencionada e intitulada: “Clima. Justiça e Governança”. Nas páginas 6 e 7 do periódico, a jornalista Eliane Fonseca Doré apresenta um importante material sobre a (des)governança climática.

Neste artigo focaremos o papel das universidades e de institutos de pesquisa no combate às mudanças climáticas, e isso a partir das conclusões do evento internacional "Emergência Climática: O que a universidade deve fazer para enfrentá-la, já?", realizado em agosto último e promovido pela Comissão Assessora de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental (Cameja), órgão vinculado à Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DeDH) da Unicamp. Nesse encontro, nossa comissão chegou a algumas conclusões que situam a emergência climática.

Acreditamos que persistir na utilização de petróleo, gás e carvão natural como fontes de energia equivale, na verdade, a manter uma abordagem econômica ancorada no século XX e desvinculada da realidade atual da crise climática.

Os esforços em pesquisa e engajamento internacional, com representantes de instituições como a Universidade Harvard, a Organização das Nações Unidas (ONU), a editora de textos científicos Elsevier, o IPCC, a Royal Society (Reino Unido), a Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique), a Universidade Rovuma (Moçambique), o programa de pesquisa Future Earth, entre outras) e nacional (a Unicamp, a Universidade de São Paulo (USP), o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea), a Universidade Federaldo do ABC (UFABC), a Universidade Federal do Amazonas (Ufam), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadem), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), entre outras, dariam sua importante contribuição.

“Diminuir o desmatamento e avançar na transição para energias renováveis são ações fundamentais, porém não são suficientes para abordar o quadro geral”, afirmou Paulo Artaxo, da USP, do IPCC e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), na última mesa do evento.

“É imperativo desenvolver um urbanismo voltado para o clima e reformar as estruturas e terras agrícolas. Acredito que não se pode confiar apenas em soluções tecnológicas e de mercado para resolver a crise climática. A implementação de soluções exige ações em vários níveis e o envolvimento de múltiplos atores, e é nesse contexto que as universidades desempenham um papel fundamental‘’, ressaltou Leila da Costa Ferreira, da Unicamp e do Earth System Governance.

Desse modo, “as ações de combate às mudanças ambientais globais são estruturais e, portanto, transversais à economia, à cultura, à educação, à pesquisa e à salvaguarda da democracia’’, como foi muito bem notado por Mercedes Bustamante, presidente da Capes, cuja declaração foi reforçada por Ricardo Galvão, presidente do CNPq.

“Devido a sua amplitude, a sua diversidade de pensamento e a seu compromisso com a cidadania, as comunidades universitárias podem desempenhar um papel crucial [nesse processo]‘’, observou o reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, em sua intervenção durante o encontro. Declarações de teor semelhante foram feitas pelo pró-reitor de Sustentabilidade da Universidade Harvard, James Stock, e pela ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira.

Nesse contexto, para a Unicamp, que trabalha com temas ambientais há muitos anos, existe a necessidade de avançar, institucionalizando uma área de sustentabilidade. Dada a diversidade das unidades da Universidade, essa mudança organizacional permitiria coordenar ações conjuntas e posicionar a Unicamp como líder do setor na América Latina, de modo a contribuir de maneira significativa com ações de impacto mundial.

Vale destacar que a ONU substituiu o termo Era do Aquecimento Global pelo termo Era da Fervura Global (global boilling), mas a sociedade brasileira, em geral, parece não ter compreendido o papel crucial a desempenhar nessa mobilização. E é aqui que a universidade desempenha o seu papel mais essencial atualmente: educar as pessoas sobre as realidades desafiadoras da emergência climática.

A crise climática não é apenas um problema científico. É também o desafio político e intelectual mais significativo desta época. Além disso, ela está intrinsecamente ligada a outras quatro crises sistêmicas em crescimento: a perda de biodiversidade, a poluição industrial e as persistentes desigualdades econômicas, sociais, raciais e de gênero.

Essas crises – climática, de biodiversidade, da poluição e das desigualdades – alimentam-se mutuamente e representam uma crise maior a afetar a democracia, o neoliberalismo e, em última instância, a civilização. Tendo em vista isso, uma questão central impõe-se: como a mudança climática está transformando a sociedade e a política na Era da Modernidade Predatória (capitalismo)? Essa reflexão, percebe-se, conclama à superação do neoliberalismo e à adoção de novas formas de responsabilidade transnacional.

No Brasil, onde já ocorrem eventos climáticos extremos, como secas na Amazônia, enchentes no Rio Grande do Sul e ondas de calor pelo país todo, faz-se necessário encontrar soluções de resiliência, que vão além de uma abordagem reativa. Deve-se repensar a maneira como são desenvolvidas as cidades e suas estruturas, tornando-as mais antecipatórias e mobilizando ativamente a população.

A justiça climática envolve a integração urbana e a regeneração ambiental com vistas a reequilibrar o clima, além de garantir a observância dos direitos humanos. Esse esforço também implica criar estruturas urbanas resilientes para enfrentar os impactos crescentes dos eventos climáticos extremos. Para que o Brasil se torne uma potência ambiental e um protagonista no cenário mundial, é necessário apostar na descarbonização da economia, na sustentabilidade ambiental e na equidade social, o que requer um forte investimento em pesquisa científica e medidas econômicas para a conservação da biodiversidade, a proteção das terras indígenas e o reflorestamento de áreas nativas. As universidades precisam assumir que desempenham um papel fundamental nesse processo.

(*) Sonia Regina da Cal Seixas é pesquisadora sênior do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp e presidenta da Comissão Assessora Executiva de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental (Cameja)

(*) Leila da Costa Ferreira é professora titular de Sociologia Ambiental da Unicamp e vice-presidente da Comissão Assessora de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental (Cameja)

(*) Ronei Thezolin é jornalista e membro da Comissão Executiva de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental (Cameja)

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