Escola sem partido, escola sem sentido
Em tempos de crise na política brasileira, a proposta “escolas sem partido” ganha adeptos. Basicamente ela crítica uma suposta partidarização enviesada à esquerda a qual estaria ínsita em livros e falas de professores, sendo que isso ao longo do tempo teria tornado as escolas em redutos de doutrinação. A solução, portanto, seria assegurar em lei que as escolas fossem livres de ideologização e os professores imparciais e limitados a ministrar o conteúdo didático.
Não obstante, a liberdade que essa proposta vislumbra para escolas é incongruente. Ela prega liberdade com o cerceamento da pluralidade do pensamento político. Ademais, ela desconsidera que qualquer unidade de ensino não deixa de ser uma estrutura política. O ensino, em si, é uma expressão política. Se a escola não reproduz dada ideologia política dominante, ela contesta ou resiste o predomínio dela. Por isso, não há ensino neutro, isto é, desprovido de algum valor político, social, econômico, cultural, posto que seja objetivo.
Na verdade, por meio dessa postulada liberdade para as escolas, o que se ambiciona é omitir ideologias políticas que moldaram história do mundo moderno. Dessa forma, algumas correntes ideológicas não podem ser discutidas, pois dificilmente seriam abordadas em sala de aula sem que algum estudante ou responsável se sinta ofendido. Com efeito, ensinar sobre socialismo, comunismo, nacionalismo pode soar como proselitismo e ofensa à liberdade de pensamento.
Portanto, caso haja mesmo escolas sem partido, os professores se tornariam criaturas amorfas prontas para discorrer sobre conteúdo didático, mas desprovidos de opinião. Ou seja, na sala de aula tais profissionais não manifestariam qualquer julgamento sobre religião, moral, política ou ideológico. Desse modo, a escola se constituiria num espaço de conhecimento desideologizado e insulado de interferências da esfera política. É isso?
Ora, é tradicionalmente na escola que jovens aprendem confrontar e tolerar ideias. Essa não é espaço de iguais e alienados da realidade. Ao contrário, é arena de diferenças que são fundamentais para se entender a diversidade humana em cada contexto. O objetivo da escola não é só formar indivíduos úteis à sociedade ou ao mercado, todavia despertar neles a paixão pelo conhecimento e formar cidadãos atentos às idiossincrasias que tomam o mundo em que vivem.
É claro que escola não deve ser campo de doutrinação para qualquer ideologia, logo se isso acontece professor e instituição educacional devem ser responsabilizados. Há limites éticos que balizam os profissionais de educação, os quais precisam ser fiscalizados pelos responsáveis dos estudantes, além das instâncias competentes do poder público. Entretanto, daí partir para escola sem partido é equivalente a dizer escola sem política, sem o diálogo de ideias, ou seja, sem sentido. Isso não é escola.
O movimento escola sem partido, portanto, desconsidera a natureza política da escola. Pior. Para atacar a vertente política de esquerda quer esvaziar as escolas de massa crítica. Mas ele parece olvidar que as esquerdas mundiais tiveram contribuições significativas na denúncia de injustiças econômicas, sociais, raciais, culturais, educacionais. Ora, se na prática da política brasileira a esquerda está em crise hoje, não é por causa disso que se deve apagar sua herança histórica. Negar isso aos estudantes é omitir parte da história.
Desse modo, escola sem partido é mais outro embate entre direita e esquerda, com fins oblíquos, no qual um lado pretende deslegitimar o outro. No entanto, essa contenda partidária não deveria ser levada às escolas simploriamente, porquanto polariza espaço que é para ser plural e democrático. Para piorar, tudo isso afasta escolas e estudantes de uma compreensão da política como busca de justiça, a despeito da corrente ideológica.
Em suma. É impensável escolas sem partido, visto que compete também a essas instituições deslindar interesses políticos nos estudantes e ter condições de ensiná-los a arte de dialogar com outros diferentes. Independente de partido, a escola é política. Com efeito, desconsiderar essa missão da escola em qualquer sociedade é profanar sua própria natureza.
(*) Alexandre Pereira da Rocha é doutor em Ciênciais Sociais pelo CEPPAC (Centro de Pesquisa e Pós-graduação sobre as Américas), da Universidade de Brasília; graduado e mestre em Ciência Política pela UnB; tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em política brasileira, teoria geral do Estado, administração pública, partidos políticos, legislativo, segurança pública, violência, criminalidade, polícia, estudos comparados.
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