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Fake news e desinformação: o papel do direito na proteção da sociedade

Por Caroline Monteiro de Carvalho (*) | 09/01/2024 13:30

A desinformação, rumores, boatos, fofocas, circulação de notícias distorcidas ou falsas não são fenômenos recentes. Haverá registros em qualquer período histórico. O que gera a preocupação atualmente é a velocidade com que a desinformação circula — a internet e as redes sociais possuem alcance global instantâneo — e com as proporções que vêm tomando, já que a desinformação gera impacto nas questões sociais, mas sobretudo nas questões políticas e econômicas.

É preciso esclarecer que fake news são notícias que são divulgadas intencionalmente e são comprovadamente falsas. A desinformação está relacionada à informação descontextualizada, manipulada e tendenciosa. A desinformação se torna fake news em virtude do alcance e velocidade da internet, visto que atinge um indeterminado número de pessoas das diversas camadas sociais. A desinformação parte da simples negligência de repassar uma informação sem ter o cuidado de verificar a sua veracidade a utilização intencional com o fim de causar danos, como, por exemplo a disseminação de informação falsa para destruir a reputação de uma pessoa, grupo social ou empresa ou para obter vantagens políticas/financeiras. Não há limite para a criatividade mal-intencionada.

Alguns episódios recentes relacionados à disseminação de notícias falsas ilustram o impacto e o alcance em diferentes momentos e em diversas partes do mundo: na eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, em 2016, circulou a informação que o papa Francisco havia endossado a campanha do republicano; a saída do Reino Unido da União Europeia foi rodeada de notícias falsas que tornaram o processo conturbado e demorado; o escândalo envolvendo o Facebook e a Cambridge Analytica, que teria tido acesso a milhões de informações pessoais e que foram utilizadas sem consentimento para fazer manipulação política com o direcionamento dos dados; e os boatos sobre a ineficiência e os efeitos adversos das vacinas da Covid-19.

Tais episódios movimentaram o cenário nacional e internacional, promovendo debates acerca dos impactos negativos das fake news, formas de combate, controle e diversas propostas de projetos de lei. O direito tem o importante papel de regular a vida em sociedade, devendo se adequar à evolução das necessidades contemporâneas. Nesse sentido, no Brasil, temos diversos projetos de lei versando sobre fake news, com destaque para a PL 2.630/2020, que visa a combater a desinformação na internet. Em maio deste ano, foi elaborada a proposta de Emenda nº 85 que visa a majorar os crimes contra a honra quando praticados em redes sociais. Seria o direito penal a forma adequada de regular essa temática? Entendo que o direito penal é, e sempre deve ser visto, como ultima ratio. Portanto, outras medidas podem ser tomadas, além de se utilizar do direito penal criminalizando condutas.

O direito civil, amparado na responsabilidade civil, no marco civil regulatório e na lei geral de proteção de dados, é um excelente aliado no combate às falsas notícias disseminadas intencionalmente. De modo que irá apurar a responsabilidade e atribuir a devida reparação.

No âmbito da educação digital, medidas de conscientização já vêm sendo tomadas, como preparar a sociedade para lidar com a desinformação. Existem diversas agências de checagem de fatos que ajudam a verificar se a notícia é verdadeira ou falsa, como e-farsas.com, boatos.org, G1/fato ou fake, Estadão Verifica, UOL confere, Aos Fatos, entre outros. O TSE possui a página Fato ou Boato, que integra o Programa de Enfrentamento à Desinformação. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) possui o Painel de Checagem de Fake News, com orientações sobre como identificar rapidamente se se trata de fake news. Além disso, verifica notícias que geram impacto na prestação jurisdicional.

Nesse contexto, urge salientar que é necessário ter cautela para que o combate legítimo às notícias falsas não desenvolva mecanismos de censura, visto que é uma linha tênue entre os limites aceitos nesta interferência no direito fundamental à liberdade de expressão, com a rubrica de “vigilância” e a censura. Ano passado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) editou, por exemplo, a resolução nº 23714/2022, que aduz que haverá a imediata remoção da internet de conteúdos “gravemente descontextualizados”. Devemos nos questionar se o judiciário deve adotar uma postura ativista, uma vez que seu papel é, em regra, garantir os direitos e resolver conflitos por impulso e não ex officio.

Sendo assim, resta claro que há uma preocupação mundial sobre fake news e desinformação, tendo em vista seus nefastos impactos sociais, políticos e econômicos. A velocidade em fornecer a informação correta é uma árdua missão, uma vez que a desinformação compartilhada na internet possui um alcance mundial instantâneo. Além dos meios de conscientização já adotados o direito possui um importante papel na proteção da sociedade que deve ser exercido pelo Legislativo na elaboração de uma legislação cada vez mais eficaz, sem viés criminal, mas visando à repreensão e reparação no âmbito cível e o judiciário buscando fornecer uma resposta mais célere, sem ativismo judicial. Sobretudo, a informação é fonte de poder no combate à desinformação por mais paradoxal que possa parecer.

(*) Caroline Monteiro de Carvalho é advogada, pós-graduanda em Legislação Penal Especial. Pós-graduada em Tribunal do Júri e Execução Penal. Membro-Relator da Comissão de Ética e Disciplina e Membro da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da 32ª Subseção da OAB; Membro da Comissão de Investigação Defensiva da Seccional da OAB.

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