ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, QUARTA  20    CAMPO GRANDE 24º

Artigos

Impactos da inclusão do burnout na lista de doenças ocupacionais

Por Ana Gabriela Burlamaqui (*) | 27/12/2023 13:30

A Organização Mundial de Saúde estima que quase 300 milhões de pessoas no mundo são afetadas por transtornos psicológicos como esgotamento, ansiedade e depressão que, embora não necessariamente vinculados ao trabalho, nos trazem dados muito alarmantes.

A inclusão do burnout na lista de doenças ocupacionais pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) reflete uma crescente preocupação com a saúde mental no ambiente profissional. A mesma Organização Mundial de Saúde (OMS) já havia reconhecido o burnout como uma doença relacionada ao trabalho em 2022.

Embora essa inclusão não tenha alterado a exigência de avaliação por perícia médica para estabelecer o nexo causal (ou concausal) com o trabalho, ela simplifica o processo legal para classificar o burnout como uma doença profissional, equiparada a acidentes de trabalho para todos os fins.

Notadamente, a Lei de Benefícios da Previdência Social vincula as doenças do trabalho a uma lista previamente estabelecida, o que traz ainda maior destaque a importância das empresas em garantir exames médicos periódicos e um ambiente de trabalho saudável para prevenir e detectar casos de burnout.

Os trabalhadores afetados pelo burnout têm direitos relacionados a licenças médicas e afastamento, que estão sujeitos a avaliação da perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que detém esta competência exclusiva. A equiparação da síndrome a acidentes de trabalho garante benefícios como o auxílio doença-acidentário e a proteção do emprego após a alta médica previdenciária.

Além do cumprimento das normas regulamentadoras estabelecidas pelo Ministério do Trabalho, a implementação de programas de saúde ocupacional, a prevenção e o gerenciamento de riscos e outras obrigações legalmente previstas, não é mais aceitável que as empresas — por todos os motivos onde incluímos também sua função social — não mergulha a fundo para estabelecer as melhores práticas de ESG (Environmental, Social and Governance) que corresponde às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização, transformando e construindo mundo mais inclusivo, ético e ambientalmente sustentável, que garanta a qualidade de vida para todos e especialmente para seus colaboradores.

Afinal, o “S” desta sigla — Social — nada mais é do que cuidar daqueles que estão incluídos e no entorno da empresa. A valorização da saúde e segurança no ambiente de trabalho está compreendida entre práticas sociais essenciais de ESG.

Noutro giro, a inclusão do burnout como doença ocupacional abre espaço para possíveis pedidos de indenização por danos morais. Ao comprovar o nexo epidemiológico, os trabalhadores têm a possibilidade de buscar compensações judiciais devido às condições de trabalho que contribuíram para o desenvolvimento da síndrome.

Sindicatos e organizações relacionadas ao trabalho estão respondendo à inclusão do burnout com ações concretas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimam custos significativos para a economia global relacionados a doenças mentais, enquanto o Ministério Público do Trabalho e Emprego publica diretrizes sobre assédio moral.

Há enorme impacto econômico por perda de produtividade. Notadamente, empregadores que buscam promover um ambiente de trabalho saudável, com condições de bem-estar e que assegurem direto à desconexão, às pausas previstas em lei, ao equilíbrio saudável entre trabalho e vida social, têm menores índices de absenteísmo e aumento de produtividade. É preciso assim olhar a saúde mental sob todas as vertentes, não só por seu impacto social.

Por outro lado, a ausência de comprovação, por meio de perícia, do nexo entre o burnout e o trabalho inibe sua classificação como doença ocupacional. Nesse caso, sempre há  a possibilidade de recurso administrativo em resposta a decisões positivas ou negativas.

Caso seja comprovada a relação entre a doença e a ocupação, esta é equiparada a um acidente de trabalho, garantindo aos afetados benefícios como o auxílio doença-acidentário, o direito ao recolhimento do FGTS durante o período de afastamento, a segurança de emprego após a recuperação, além de outros benefícios previstos em normas coletivas e políticas internas do empregador.

É fundamental observar que um elevado registro de doenças e acidentes de trabalho tem como consequência o aumento do valor do fator acidentário de prevenção (FAP), que é um multiplicador aplicado no cálculo da contribuição previdenciária RAT. Elevando, portanto, os custos do empregador.

A Constituição de 1988 garante a promoção de um ambiente de trabalho seguro e saudável. Não há, na legislação trabalhista, uma distinção entre doenças e acidentes, mas sim uma responsabilidade compartilhada entre as partes para garantir a saúde e a segurança no ambiente de trabalho. O empregador, com base em seu poder diretivo e nas disposições legais, deve priorizar a criação e manutenção de um ambiente tanto físico quanto mentalmente saudável, implementando todas as ações necessárias para tal.

Não é demais lembrar que a formação da Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) e seu trabalho vigilante são essenciais para prevenir doenças, acidentes e, atualmente, o assédio, que é um fator contribuinte para o diagnóstico de burnout.

Já a recente Portaria GM/MS 1999/23 estabelece como finalidade da lista de doenças relacionadas ao trabalho (LDRT) não apenas o enquadramento epidemiológico, mas também o foco na relação entre o adoecimento e o trabalho. Ela adota procedimentos de diagnóstico, elaboração de projetos terapêuticos e, de forma preventiva, orienta ações de vigilância e promoção da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo.

Ambiente de trabalho saudável e seguro é um dos princípios e direitos fundamentais no trabalho, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho, como estabelecido na sua Conferência Geral reunida na sua 110ª sessão, junho de 2022 (ILC.110/Resolution I)

E, quando falamos em saúde no ambiente de trabalho, é necessário considerar que a saúde mental e emocional não pode ser colocada de lado, especialmente diante do agravamento das doenças do trabalho relacionadas, notadamente aqui o burnout.

Precisamos buscar uma nova cultura nas organizações que propicie maior equilíbrio. O ambiente de trabalho plenamente saudável só existe mediante participação cuidadosa dos envolvidos, mas especialmente de empregadores na promoção e proteção da saúde, da segurança e do bem-estar de todos.

(*) Ana Gabriela Burlamaqui é graduada em Direito pela PUC-RJ, especialista em prevenção e administração de riscos trabalhistas (Ibmec), especialista em inglês jurídico e contratos no Direito Americano (PUC-RJ), pós-graduada em Direito Digital, LGPD e compliance trabalhista (EMD), membro da 1ª Câmara Especializada da OAB-RJ e conselheira efetiva da seccional.

Nos siga no Google Notícias