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Mercado de trabalho para PcD: um olhar além

Por Leonardo Brião de Oliveira (*) | 01/02/2024 08:30

O mercado de trabalho para as pessoas com deficiência (PcDs) é, com frequência, um local hostil. São muitas as dificuldades dessas pessoas nesse ambiente que, dentro da forma social capitalista, é fundamental para a subsistência e a autonomia do ser humano.

Sendo assim, destaco que o preconceito, a baixa escolaridade, a falta de acessibilidade e inclusão, entre muitas outras barreiras, são grandes desafios, e muitos estudos nos conscientizam disso. No entanto, se faz necessário entender também sobre o modo de funcionamento do mercado de trabalho e como este se estrutura para as pessoas com deficiência, pois isso revela pontos-chave que podem direcionar melhor os esforços que visam inserir as PcDs nesse âmbito.

Para o início do nosso diálogo, caro leitor, cabe esclarecer que os estudos científicos costumam ser produzidos a partir de um recorte da realidade. Sendo assim, é normal aos pesquisadores capturarem somente aquilo que se considera importante, tornando, consequentemente, outros fatores e variáveis secundários – de menor importância. Ao tratar sobre mercado de trabalho para as PcDs, é um pouco sobre isso que lhes escrevo.

O modo como se costuma entender o mercado de trabalho é fruto de um recorte da realidade. No entanto, esse recorte se demonstra carente de ampliações, na medida em que é comum, principalmente na teoria econômica dominante (neoclássica), a apresentação desse lugar como uma disputa entre Davi e Golias, em que trabalhadores (Davi) e empregadores (Golias) se enfrentam pelo preço da força de trabalho.

Em Sociologia, verificamos uma série de outros fatores que possuem influência direta sobre a forma como os mercados se estruturam e funcionam, objetando limitações à teoria econômica dominante.

Trata-se, para a Sociologia, de fatores não mercantis, que não visam lucro e vantagens econômicas; como exemplo destes, temos as redes de relações que as pessoas estabelecem entre si, também conhecidas, na teoria sociológica, como redes sociais, existentes por questões de afinidade, amizade, confiança, etc.

Temos ainda alguns tipos de organizações que intermedeiam a relação entre ofertantes e demandantes de trabalho, como ONGs, agências públicas e associações. Além disso, as leis que regulamentam os mercados, bem como as normas e valores morais que os integram, são outros fatores relevantes para serem pensados.

Em um tensionamento com a teoria econômica dominante, meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) indica que, para as pessoas com deficiência visual, esses fatores não mercantis não podem ser considerados fatores secundários, mas centrais no mercado de trabalho, implicando um recorte mais amplo da realidade.

Tal resultado está em consonância com o desenvolvimento teórico presente na sociologia econômica, que, desde os estudos do sociólogo Mark Granovetter, tem questionado a teoria econômica neoclássica em seus pressupostos teóricos.

Dito isso, destaco dois fatores extraídos das entrevistas realizadas no TCC e que se demonstraram fundamentais para a constituição do mercado de trabalho para os deficientes visuais: as redes sociais, que representaram 29% das buscas e da obtenção de emprego, e as organizações intermediadoras, que representaram 38% do mesmo dado.

As redes sociais, como dito anteriormente, consistem nas relações que estabelecemos com os outros, e elas podem se expressar por laços do tipo fraco e do tipo forte. Os laços fortes geralmente são aqueles vínculos que estabelecemos com nossos familiares e amigos, sendo, portanto, mais sólidos em nossa vida.

Estes representaram 67% das vezes em que houve busca e obtenção de emprego por parte dos participantes. Já os laços fracos, que geralmente são aqueles vínculos mais superficiais e em que tomamos o outro como um “conhecido”, representaram 33% das buscas e da obtenção de trabalho.

Os tipos de laços acionados vão variar de contexto para contexto. No caso em questão, trata-se de uma maioria de entrevistados em situação econômica e social menos favorecida, comum à média da população PcD brasileira. Nesse contexto, os laços fortes, por serem menos custosos e de mais fácil alcance, em razão de estarem num circuito de relações mais próximo da pessoa, tendem a ser mais relevantes.

Quanto às organizações intermediadoras, estas foram as que tiveram maior número, representando 38% das vezes em que houve busca e obtenção de emprego. Essas organizações, conforme os estudos da socióloga Nadya Guimarães, têm bastante relevância na estruturação do mercado de trabalho, que com elas passa a se expressar em forma de uma tríade: ofertantes, intermediários e demandantes, diferentemente do modelo convencional da teoria econômica neoclássica, expresso em díade, que opõe diretamente demandantes e ofertantes de trabalho.

No TCC, as organizações intermediadoras que se destacaram foram o Sine (Sistema Nacional de Emprego) e as associações representativas de pessoas com deficiência. Cabe destacar que o papel relevante das organizações intermediadoras indica também a importância de pessoas com deficiência na liderança ou em auxílio no processo de inserção de outras pessoas com deficiência no mercado de trabalho, devido a essas organizações possuírem deficientes em seu quadro.

Além disso, as falas de alguns entrevistados destacaram ser importante ter essas pessoas com deficiência visual ocupando esses espaços de interlocução com as empresas, pois realizam o trabalho de conscientização das possibilidades de inserção de PcDs nos ambientes de trabalho.

Com isso, conclui-se que a presença maior de laços fortes se demonstra sintomático de uma realidade socioeconômica menos favorável para a maior parte das PcDs, ao passo que se verifica necessário o fortalecimento das organizações intermediárias, que, quando constituídas de pessoas com deficiência na sua liderança ou auxílio, demonstraram possuir maior capacidade para inserir pessoas com deficiência visual no mercado de trabalho. Por fim, convido o leitor a buscar o TCC que traz mais dados e discussões acerca dos assuntos abordados aqui.

(*) Leonardo Brião de Oliveira é estudante concluinte do curso de graduação em Ciências Sociais, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

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