No Pantanal do Paiaguás - pouco se transformou em muito
Alguém disse que antes de se transformar uma realidade é necessário conhecê-la, compreendê-la. E para quê se muda uma realidade? Isso depende. Depende da realidade e de quem deseja mudá-la.
Em se tratando da realidade de 175 famílias, das seis Comunidades Tradicionais do Pantanal do Paiaguás- subindo o Rio Paraguai, a mais próxima a 80 km e a mais distante a 140 km de Corumbá (MS), às margens do Rio Taquari, são elas Corixão, Cedrinho, Cedro, Limãozinho, Colônia São Domingos e Colônia Bracinho, - consideraremos mudar a realidade para melhorar as condições de bem viver e porque se precisa superar o sobreviver, ou seja, o viver mesmo que em condições adversas e sem meios ou recursos.
Sobreviver significa lutar pelo mínimo, pelas necessidades básicas, é viver no limite. No caso daquelas famílias, no limite da fome, da sede, da solidão, do desamparo, da ignorância, da exclusão. É um viver vulnerável.
Solidária e conhecedora da realidade dessas comunidades tradicionais, há mais de 30 anos, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Diocese de Corumbá (MS), com uma equipe de 8 pessoas, configurou-se, por meio do Projeto Geração de Renda para as Comunidades do Pantanal, patrocinado por Edital da Petrobras e realizado de setembro de 2013 a outubro de 2015, como um agente transformador de realidades. Realidades que agora possuem água para beber, moradia um pouco mais digna, acesso a alguns meios de transportes terrestres e aquáticos, produção e comercialização alimentícia e relativa organização comunitária.
As ações da CPT estimularam e reforçaram o protagonismo daquelas famílias do “Profundo Pantanal”, sobreviventesnum cenário que nos remete ao sertão nordestino, em razão da seca atual, do calor, da falta de infraestrutura e do isolamento em todas as suas dimensões. Sem energia elétrica e água encanada, sem acesso a unidades de saúde etransporte público, sem estradas, sem internet, onde chegam as ondas do rádio e o sinal de celular é escasso. Dos onze pantanais, o do Paiaguás é o maior e mais populoso.
A CPT compartilhou, nestes dois anos do Projeto, com crianças, jovens, homens e mulheres, conhecimentos e saberes.Forneceu-lhes meios para que conquistassem uma renda mais estável, produzissem, transformassem e comercializassem produtos nativos e cultivados edeixassem apenas de lutar por sobrevivência e passassem à vivência, ao bem viver, ao viver para vencer.
De 2013 a 2015, os recursos do Projeto se transformaram em: 134 poços de manilha (foram compradas 1.218 manilhas de concreto); 127 telhados- a meta inicial eram 100 (construídos com 1.777 telhas), as casas são cobertas em sua maioria com palhas de acuri; 24 carroças novas, usadas para diminuira distância entre os moradores e carregar matéria-prima para as produções; 3 barcos de alumínio medindo 6,70m, equipados com motor rabeta a diesel, 4 bancos e coletes salva-vidas; 337 rolos de arames para cercar os quintais produtivos e agroecológicos e protegê-los de animais em busca de alimentos, como porco do mato e capivaras; seis Casas do Doce, construções erguidasem áreas de 24m², adaptadas às condições locais, em espaços cedidos pelas comunidades, são cozinhas para o preparo e produção dos doces para comercialização entre os moradores e nas feiras de Corumbá e Ladário.
E como se não bastasse todo o planejamento executado e rigorosamente cumprido ao longo dos2 anos, com emissão semestral de relatórios e acompanhamento da patrocinadora, inclusive com visita in loco no início do segundo ano de execução do projeto, a Equipe, conseguiu economizar recurso suficiente para adquirir 32 kits de energia solar, algo inédito para aquelas famílias e uma meta que não estava prevista no Projeto. Os kits são compostos de 03 placas solares, 01 inversor, 01 controlador e 01 bateria de 150 amperes eforam destinadosaos grupos familiares que se comprometeram com as Unidades de produção de doces, em cada Comunidade.
As placas fotovoltaicas instaladas captam energia de fonte inesgotável, não agridem o meio ambiente e são suficientes para iluminar cinco cômodos de uma casa pequena, com cerca de 30m2, além de fazerem funcionar um freezer de 150 litros ou uma geladeira de 210 litros. Algo antes possível apenas em sonho para aquelas famílias. Essa ação possibilitou aos contemplados estocar os produtos da unidade de produção, preparados para comercialização e também para consumo próprio. Um verdadeiro milagre, diriam alguns. Para os membros do Projeto, são ações fruto de nada mais do que “trabalho comprometido, muito planejamento e dedicação”. Para as famílias, trata-se de “uma verdadeira mudança de vida”.
Só que o trabalho não acaba aqui. As comunidades precisam ainda de melhor infraestrutura e logística, como estradas, escolas, unidades de saúde. O ir e vir às comunidades, uma problemática constante, em razão do alto custo das passagens de lancha, frete e combustível, poderia ser solucionado por meio de um transporte público ou subsidiado. Até melhores oportunidades de geração de renda são necessárias. Iniciativas que devem advir do poder público, que tem instrumentos, recursose tempo para tal fim.
E por falar nisso, lembro-me de uma reunião entreo prefeito e a vice-prefeita de Corumbá (MS) e alguns professores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Câmpus do Pantanal, da qual participei, em maio deste ano, quando o prefeito Paulo Duarte (PT) disse que “os cidadãos das regiões do Pantanal têm os mesmos direitos que os moradores da cidade”. Sendo assim, e já que ano que vem teremos eleições, conclamo aqui que essa não seja uma frase solta ao vento, de cunho eleitoreiro e que em sua campanha à reeleição, o atual prefeito,e na dos demais candidatos, políticas públicas eficientes e duradouras para populações vulneráveis sejam propostas e implementadas.
Difícil? Estão aí as ações solidárias da CPT, que com oito pessoas, sem recursos extras, fez algo inédito, inovador, sustentávele transformador. Por fim, para o bem viver daquelas e de outras famílias em meio ao Pantanal, os agentes da Pastoral da Terra reforçam que “muito ainda está por fazer, a busca pela felicidade e garantia de direitos continua”.
(*) Ana Carolina Monteiro, jornalista
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