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O imposto sobre a riqueza só se viabiliza se existir governança mundial

Por Paulo Feldmann (*) | 03/07/2024 13:30

Cresce mundialmente a demanda para que haja uma taxação das grandes fortunas no mundo. Por várias razões, entre elas o fato de que os super-ricos, em geral, pagam menos impostos que a grande maioria da população em quase todos os países. Outra razão para essa demanda é que a desigualdade é um problema muito sério, principalmente no Brasil, que está em oitavo lugar entre os países mais desiguais do mundo, segundo a revista The Economist.

Talvez por essas razões, em dezembro de 2023, ao assumir a presidência do G20, o presidente Lula em seu discurso de posse deixou claro que os países do grupo, com forte protagonismo mundial, deveriam se preocupar com a erradicação da pobreza e da fome no planeta.

Dificilmente alguém seria contra a eliminação da fome no mundo, mas os problemas surgem quando se discute o “como”. Ou seja, qual a forma de se conseguir os recursos necessários para se atingir um objetivo tão nobre.

Em fevereiro, os vários ministros das finanças dos diversos países do G20 se reuniram em São Paulo, quando o ministro Fernando Haddad apresentou uma possível solução para o problema do “como fazer”.

Haddad defendeu um imposto sobre a riqueza que taxaria em 2% a riqueza dos bilionários do mundo. Na verdade, essa solução não é nova e foi idealizada por um economista francês chamado Gabriel Zucman. Segundo ele, existem três mil bilionários no mundo cujo patrimônio atinge US$ 12,5 trilhões. Um imposto de 2% sobre essa riqueza arrecadaria cerca de US$ 250 bilhões.

Seria um começo de um processo que poderia atenuar a situação de 280 milhões de pessoas que hoje passam fome grave no mundo, segundo a ONU divulgou em abril. Dividindo o valor do imposto arrecadado pelo número dos que passam fome, verifica-se que cerca de US$ 900 seria o que poderia ser alocado a cada uma dessas pessoas extremamente vulneráveis.

Evidentemente trata-se de um problema por demais complexo e mesmo a logística da distribuição de alimentos pela população necessitada é de dificílima implementação. Sem contar as várias possibilidades de corrupção existentes ao longo do caminho percorrido pelo imposto arrecadado, até se transformar em um prato de comida na mão de quem passa fome.

O fato é que a riqueza no mundo é considerável. Até aqui falamos dos bilionários, mas recentemente a Capgemini, uma grande empresa de consultoria da França, divulgou um estudo que abrange também os milionários. São as pessoas que possuem uma fortuna superior a um milhão de dólares, e nessa categoria existem quase 23 milhões de pessoas, totalizando uma fortuna de 87 trilhões de dólares. Os bilionários acima mencionados estão incluídos nestes números da Capgemini, mas chama atenção que se o imposto fosse de apenas 1%, mas aplicado aos milionários, a arrecadação seria de US$ 870 bilhões, ou seja, muito maior do que se obteria taxando apenas os bilionários.

Há que se destacar nesta discussão que o novo imposto poderá trazer uma grande onda de crescimento econômico no mundo. Isso porque o número de bilionários e milionários é pequeno (menos de 0,3 da população mundial) e uma eventual taxação não faria com que eles diminuíssem seu nível de consumo. Por outro lado, a enorme massa de pessoas beneficiadas desencadearia um crescimento significativo do consumo nos países onde vivem, inclusive no Brasil.

Mas o imposto sobre a riqueza não vai funcionar se as pessoas tiverem a opção de transferir seu patrimônio de um país para outro onde as alíquotas sejam mais baixas. A solução óbvia é que todos os países do mundo precisam aplicar a mesma alíquota e ao mesmo tempo. Para isso há necessidade de uma governança mundial que ainda não existe. Por isso, discussões como as que acontecem dentro do G20 são bem-vindas.

Nos últimos 40 anos, com a explosão da globalização, verificamos que os benefícios da mesma não foram homogêneos pelo planeta. Isso ocorreu, entre outras razões, porque faltou regulação na atividade econômica mundial. Por mais difícil que seja, o mundo agora precisa de regras que impeçam discrepâncias e desigualdades como as que aconteceram. E as soluções precisam valer igualmente em todos os países. É o caso do aquecimento global, mas também da desigualdade social hoje existente.

(*) Paulo Feldmann é professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP.

 Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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