O livro Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Jorge Amado
Direito e Literatura: do Fato à Ficção é um programa de televisão apresentado pelo procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e professor da Unisinos Lênio Streck, onde é discutido, com convidados, uma obra literária e seu dialogo com o Direito. A obra desta edição, que a ConJur reproduz a seguir, é Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Jorge Amado. Participam do debate o professor e o doutror em Direito José Luis Bolzan e o professor doutor em letras Homero José Vizeu Araújo. Assista ao vídeo e leia a resenha do programa feita pela jornalista Camila Mendonça.
O livro Dona Flor e Seus Dois Maridos conta a história de Florípedes Paiva (Dona Flor), que conhece, em seus dois casamentos, a dupla face do amor. Com o primeiro marido, o boêmio Vadinho, ela vive uma paixão avassaladora, erotismo febril, ciúme que corrói. Já com o farmacêutico Teodoro, seu segundo marido, ela encontra a paz doméstica, a segurança material, a tranquilidade, poderia se dizer o amor mais metódico. Um dia porém Vadinho retorna em forma de fantasma, mudando a realidade de Dona Flor.
Lênio Streck conta em seu programa, que, segundo Jorge Amado, o livro é baseado na história real de uma senhora que teve um boêmio como primeiro marido, este falecido, e durante o segundo casamento passou a sonhar com o primeiro marido. “Honesta e de uma moral acima de qualquer desvio, dona Flor começa a sofrer sem saber o que fazer, e no final, impressiona o próprio Jorge Amado, ao sucumbir aos encontros do marido morto.“ narra o apresentador.
Na visão do professor Araújo, o livro é uma continuidade de Gabriela Cravo e Canela, no sentido em que Jorge Amado adota um narrador pitoresco, alegre, que faz comentários meio patifes, chama o leitor para a conversa.
Na visão do apresentador de Direito e Literatura, embora não haja uma letra, uma frase sobre Direito, talvez este seja o livro mais indicado para fazer a relação entre direito e literatura, por trazer as duas grandes faces do tema, os conservadores e os progressitas.
O livro de Jorge Amado permite esse relação, “pois já em 84 foi lançado A Ciência Jurídica e Seus Dois Maridos, de Luís Alberto Warat, que faz uma ressalva inaugural. Warat trabalha com a ideia de um texto carnavalizado, tomando emprestado a dualidade dialógica entre Vadinho e Teodoro” compara o professor de direito, Bolzan.
Segundo Lênio, a figura do legislador invoca esse discurso monológico, representado por Teodoro, o segundo marido bem comportado. Já o discurso crítico, de inversão, é representado por Vadinho, o boêmio. A obra questiona justamento se é possível essa convivência no Direito ou se existe uma prevalência do Teodoro jurídico sobre o Vadinho.
Numa crítica sobre a publicação feita pelo antropólogo Roberto da Mata, Teodoro é colocado como representante da ordem, enquanto Vadinho seria o progresso, por simbolizar a mudança.
“Há uma teodorização do Direito, este é vivido como uma forma dogmática, fechada, é preciso Vadinhar o Direito, tentar compreender o direito, produzir um discurso que não seja apaziguador, mas que fomente esse caráter mais desejante. Sem reprimir o amor, o desejo, uma postura mais transgressora” reflete o convidado
O livro mostra a ambivalência entre a segurança de Teodoro. Todo tempo vivemos a tentação tranquilizadora, que pode ser a paz dos cemitérios. Dona Flor está tentando puxar para dentro de casa a alegria das ruas, sintetizada na imagem de Vadinho.
Outra interpretação pode ser a das duas máscaras petrificadas. Uma da dogmática jurídica, com todas as suas mazelas e outra máscara da carnavalização pela crítica. Dona Flor acaba convivendo com as duas.
E por fim o programa conclui que é preciso colocar uma porção de Vadinho no Teodoro do Direito.
(*) Camila Ribeiro de Mendonça é repórter da revista Consultor Jurídico.
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