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O motorista de praça reaça

Por Paulo Renato Coelho Netto (*) | 30/06/2017 10:17

Pego um táxi no interior do Brasil, em uma cidade pequena. Digo bom dia e para onde preciso ir. Comento que deve ser legal morar ali, longe dos grandes centros, aparentemente sem violência.

E por falar em violência, se arrependimento matasse... O que ouvi do taxista foi o seguinte:

- Quer saber o que acaba com este país? Esse tal de Direitos Humanos. O que tem de roubo e assalto aqui não é brincadeira. Tinha que pegar essa gente e matar um por um. Sei lá, cadeira elétrica, fuzilamento... como chama aquele negócio que corta o pescoço fora mesmo?

- Guilhotina.

- Isso! Guilhotina! Agora, o ideal mesmo seria esterilizar as mães pobres que só sabem fazer filho, um atrás do outro. Pobre não podia nascer.

Fiquei pensando... que cara genial! Como ninguém imaginou isso antes? Se o culpado é o pobre e não nascer gente sem dinheiro o problema social acaba, não só no Brasil como no mundo. A partir daí percebi que havia embarcado em um táxi dirigido por uma espécie de gênio, tipo Einstein-taxista-cientista social.

- Entendo. E os pais, o que devia ser feito com eles?

- Castrar. E quem se negar a ser castrado devia levar uma martelada nos testículos (prefiro escrever testículos em sinal de respeito) todo fim de tarde. Daí o cara perderia a vontade de transar à noite. Às seis da tarde uma martelada no saco. (Desculpe, não resisti).

- Aí não tem libido que resista, disse cruzando minhas pernas, já que não sou rico...

- Pois é, agora, você vê. Tão querendo trabalhar aqui com o Upi. Nem a gente consegue ganhar dinheiro. Se essa turma do Upi vier vamos tirar na porrada.

Ninguém aqui vai dar mole pra vagabundo. (Neste momento tive uma desconfiança e uma premonição: 1ª, Upi deve ser Uber; 2ª, se eu não descer agora vou apanhar desse cara). A gente paga um monte de imposto (no singular) e esses Upi aí querendo dar uma de esperto, sonegando.


- O senhor tem toda razão. Eu nunca peguei um Upi. Nem sei o que é Upi. Talvez morra sem saber do que se trata...

- Aqueles caras que querem roubar nosso trabalho, explica. (Pausa rápida para mudar de assunto)

- Então... eu nunca mais voto. Só vagabundo em Brasília...

Neste momento, como um autista, desliguei meus tímpanos. Tenho esse poder há anos. Quando não quero, por conta própria, deixo de ouvir, falar e olhar. Me transformo nos três macaquinhos. É um presente que Deus me deu e que tenho usado cada vez mais.

(*) Paulo Renato Coelho Netto é jornalista.

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