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O papel da publicidade no combate ao racismo

Por Ana Paula Nunes Gomes (*) | 13/01/2024 09:30

O meu localizador social enquanto mulher negra sempre despertou o interesse em debater práticas antirracistas. Então, quando ingressei no curso de Publicidade e Propaganda da Faculdade de Comunicação da UFRGS, foi com o intuito de que as práticas antirracistas atingissem maior público, já que a comunicação amplifica discursos.

Tais debates, porém, não foram oportunizados no cotidiano acadêmico. Todavia, a partir da minha pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso, foi possível me aproximar dos desafios e das estratégias para o combate ao racismo, principalmente na Publicidade.

Diante de uma sociedade que ainda convive com o racismo, a desigualdade racial e a falta de representatividade, redimensionar o papel social da publicidade torna-se urgente para oportunizar uma comunicação mais equitativa e diversa.

A publicidade se configura como um espelho social, uma vez que reproduz e impacta a construção do imaginário coletivo por meio da representação dos sujeitos. Logo, tem potencial para a mitigação do preconceito racial e a reformulação do imaginário em relação às pessoas negras, propiciando uma imagem mais diversa e pautada nos direitos humanos.

Conforme Djamila Ribeiro, todos têm lugar de fala no enfrentamento ao racismo. Desse modo, não fica restrito às pessoas negras falar e articular ações para o desmantelamento do racismo.

Em face ao exposto, no Trabalho de Conclusão de Curso foram realizadas entrevistas com nove publicitários atuantes no mercado publicitário gaúcho, localizados em diferentes espaços de trabalho, tanto publicitários negros quanto publicitários brancos.

O foco da pesquisa foi a publicidade no combate ao racismo – a aproximação das percepções dos profissionais permitiu compreender os desafios e as perspectivas sobre a pauta antirracista na publicidade que transparece na sociedade.

Após a realização das entrevistas, os dados originados das respostas foram analisados a partir da técnica de análise do conteúdo, sendo possível sugerir cinco categorias.

A primeira – “A percepção do racismo na publicidade” – consiste na aproximação das percepções dos publicitários sobre o racismo e a sua manifestação. De acordo com Silvio de Almeida, o racismo procede por meio da discriminação da raça, se expressa através de práticas conscientes ou inconscientes que resultam em desvantagens de um grupo social.

Quando se percebe e reconhece a existência do racismo, fica-se mais próximo de ensejar mudanças para o seu enfrentamento.

A maioria dos publicitários percebe a publicidade racista de modo geral. No entanto, existem dúvidas ao relacionar, classificar e perceber o racismo no cotidiano, principalmente os publicitários brancos. Em vista disso, demonstrou-se a necessidade de debates institucionais para viabilizar maior entendimento do racismo e o papel no combate ao racismo que abrange a todos para ações efetivas.

Já a segunda categoria, “a população negra no mercado publicitário”, consiste na leitura da ocupação negra tanto na frente das câmeras quanto nos bastidores. Dos nove entrevistados, somente um teve chefia negra durante a trajetória profissional, sete publicitários reconhecem que nos bastidores da publicidade não há nenhuma diversidade e dois acreditam que há pouca diversidade.

Diante da situação, os possíveis motivos para a ausência de profissionais negros seriam a falta de educação de base, a dificuldade para contratar negros, a falta de engajamento pelos gestores para contratação de pessoas negras e o racismo.

A terceira categoria é “negritude e resistência” e resulta da forma como publicitários negros enfrentaram o racismo na publicidade e em outros ambientes, o que nos aproxima das suas histórias e insere norteia formas de resistências diante das desigualdades raciais, principalmente no mercado publicitário.

As possibilidades de resistências foram diversas, desde a indicação de outra profissional negra da comunicação até a coletivos de comunicadores negros. Os profissionais da comunicação enfrentaram e ainda enfrentam desafios, na perspectiva de terem o direito de que suas narrativas sejam viabilizadas.

Já a categoria “desafios dos bastidores da publicidade” abrange os entraves nas práticas do cotidiano da publicidade, através dos publicitários, que dificultam o avanço de uma pauta antirracista. A maioria dos entrevistados acredita que as marcas não se preocupam em combater o racismo.

Também se vê o termo “troca”, para evidenciar a insatisfação por parte dos clientes em ter pessoas negras em anúncios. Contudo, apenas um publicitário relata que não percebe o racismo na publicidade.

Porém, nos bastidores, se opera o apagamento dos negros e a refutação da representação da maioria da população autodeclarada negra. Também há desafios na formação dos publicitários.

Constatou-se a falta de centralidade no combate ao racismo nas instituições de ensino, além da falta de professores e colegas negros no processo de formação dos publicitários. Os participantes da pesquisa tiveram diferentes instituições de ensino tanto privadas quanto públicas.

E por fim, a quinta categoria – “o papel social da publicidade: práticas para combater o racismo na publicidade” – consiste em práticas ainda a serem adotadas para oportunizar o papel social da publicidade no desmantelamento do racismo.

Através da educação, debates institucionais, de práticas no cotidiano profissional como a escolha de protagonistas negros – classificado como práticas simples e sem custos financeiros – a representação do humano de forma naturalizada pela população negra, campanhas para além do dia da consciência negra, incentivos a carreiras negras, posicionamento de agências e empresas na pauta racial, a quebra de paradigmas de estereótipos sociais e equipes mais diversas.

A pesquisa permite entender que a raiz do problema é histórica, mas os efeitos e a manutenção são atuais e, se não agirmos, a realidade futura será pautada pela desigualdade racial e social.

Na perspectiva de que possamos ampliar nossas percepções de que o diverso existe e tem direito de experienciar suas vidas, sem projeções limitadoras, ancoradas no passado histórico.

Buscar a centralidade no combate ao racismo e assumir cada um o papel nas práticas antirracistas, seja no cotidiano profissional ou pessoal, se torna necessário diante de uma sociedade que convive com o racismo estrutural. Posicionar-se e agir no combate ao racismo compete, portanto, à sociedade de modo geral.

Todavia, os agentes que compõem o campo publicitário, como marcas, agências, profissionais e instituições de ensino, estarão dispostos ao desmantelamento das estruturas racistas? Mostra-se como um grande desafio. Diante do exposto, seguimos por ações mais antirracistas e ancoradas na resistência.

(*) Ana Paula Nunes Gomes é graduada em Publicidade e Propaganda.

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