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O piso salarial legal do profissional de enfermagem celetista e a decisão do STF

Por Antônio Carlos Oliveira | 01/01/2024 08:30

O julgamento sobre o piso salarial dos profissionais de enfermagem ganhou um novo capítulo no apagar das luzes de 2023. Ao que tudo indica, trata-se da melhor solução possível para o desafio criado pela Lei 14.434/2022. Senão, vejamos.

No último dia 19 de dezembro, o STF concluiu, ao julgar os embargos de declaração na cautelar que integra a ADI 7.222 MC, pelo acolhimento dos recursos opostos pelo Senado, CNSaúde e AGU, promovendo alterações substanciais na decisão proferida em julho de 2023.

A primeira mudança, talvez a mais impactante delas, ocorreu no processo de negociação coletiva, quando o STF decidiu, por maioria, em relação aos profissionais celetistas, que “a implementação do piso salarial deve ocorrer de forma regionalizada mediante negociação coletiva realizada nas diferentes bases territoriais e nas respectivas datas base, devendo prevalecer o negociado sobre o legislado”. Além disso, estabeleceu que, se a negociação não se mostrar exitosa, “caberá dissídio coletivo, de comum acordo”.

Essas mudanças não apenas refletem a posição que o STF já havia manifestado em outros julgados (a exemplo da prevalência do negociado sobre o legislado, que é objeto do Tema 1.046 da tabela de repercussão geral), como também regionaliza as negociações, eliminando, assim, as disparidades de um piso nacional, que valeria em todos os Estados da federação, malgrado a indiscutível diferença de realidades socioeconômicas. Além disso, exorta as entidades sindicais a agirem com maturidade em seus processos negociais, deixando-lhes aberta a via do dissídio coletivo, caso frustrados os acordos, desde que haja comum acordo entre elas, assegurado, por óbvio, o direito de greve e a propositura de dissídio dessa natureza, sem a necessidade da concordância da outra parte.

O efeito dessa parte da decisão foi imediato por conta de terem sido propostas inúmeras ações coletivas em todo o Brasil, buscando a aplicação imediata do piso, muitas delas sem que tenha havido sequer a tentativa de negociação coletiva prévia. Essas demandas perderam seu objeto.

Outra mudança, também profunda, diz respeito ao que se entende por piso salarial. Consta da decisão que esse equivale “à remuneração global, e não ao vencimento-base”.

Essa parte do julgado esclarece a decisão anterior e se pauta naquilo que consta expressamente da Lei 14.434/2022, em seu artigo 2º, § 1º, que não deixa dúvidas ao que quis chamar de piso salarial, dizendo que restam preservadas as remunerações superiores a ele. Além disso, traz importante efeito pecuniário, já que muitos interpretaram o dispositivo legal e a decisão do STF resumindo o piso fixado ao salário base. O julgado esclarece que o valor estabelecido para o piso salarial legal deve ser considerado como o resultado da soma desse último com as verbas de natureza remuneratória recebidas pelo empregado (a exemplo de abonos, adicionais, gratificações etc.).

A terceira e significativa mudança diz respeito à jornada de trabalho a que se refere o piso legal. Ficou esclarecido que este corresponde “ao valor mínimo a ser pago em função da jornada de trabalho completa (artigo 7º, inc. XIII, da CF/88), podendo a remuneração ser reduzida proporcionalmente no caso de carga horária inferior a oito horas por dia ou 44 horas semanais”.

Essa parte da decisão esclarece que o montante fixado pela lei equivale à jornada de trabalho prevista na Constituição, de oito horas diárias e 44 horas semanais, o que está em sintonia com as fixações salarias que são previstas, sem indicar a jornada a que se referem. O exemplo mais ilustrado disso é o salário mínimo, que também é fixado por lei e remunera essa jornada de trabalho, valendo destacar que os tribunais têm jurisprudência sólida em torno da possibilidade de se reduzir o valor total pago em caso de jornada reduzida, desde que respeitado o valor do salário-hora.

A consequência disso está na própria decisão, que permite, portanto, que haja negociação de valores menores que o piso fixado na Lei 14.434/2022, quando os empregados se ativarem em jornadas menores.

Não restam dúvidas de que os profissionais de enfermagem prestam um serviço relevantíssimo. Essa ideia tornou-se ainda mais evidente e vistosa nos últimos anos, quando se enfrentou uma pandemia com adoecimento massivo da população.

A valorização do trabalho desses profissionais, que se busca alcançar com a fixação desse piso salarial, pode dar lugar a uma grave crise junto a essa classe de trabalhadores, com o risco de demissões em massa, além de comprometer a oferta de leitos hospitalares para a população, que já carece desse serviço.

Como dito inicialmente, a solução encontrada pelo STF parece ser a melhor para resolver esse problema que a Lei 14.434/2022 trouxe consigo. Os propósitos da lei são — e continuam sendo — nobres. Mas os seus efeitos podem ser devastadores.

O objetivo, ao fim e ao cabo, é alcançar o tão almejado equilíbrio entre praticar um salário justo para essa importante coletividade, permitindo que esse seja suportado pelas entidades médicas, para que a população brasileira possa continuar a dispor de um serviço de saúde, que já é carente e que não pode piorar.

(*) Antônio Carlos Oliveira é advogado especialista na área trabalhista.

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