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Patrimonialismo, corrupção e refundação da Administração Pública

Por José Matias-Pereira (*) | 09/08/2013 13:52

A sociedade brasileira está reavaliando sua forma de mensurar o desempenho dos governos e da gestão pública. Essa nova postura está produzindo transformações significativas nas relações entre o Estado e a sociedade e nas formas tradicionais de administração do bem público.

As reivindicações dos movimentos sociais cristalizados nas recentes manifestações de rua que estão ocorrendo em inúmeras cidades do país confirmam o desejo da população brasileira por mudanças profundas na forma de gestão do Estado, com destaque para as exigências de mais ética na política, combate à corrupção e melhores serviços públicos.

Observa-se, em que pese os esforços para superar o modelo burocrático e implantar o modelo gerencial, que o modelo patrimonialista de gestão vem sendo intensamente retroalimentado na última década, com o crescente aumento da máquina governamental, sem critérios técnicos, dos gastos públicos, entre outras. É relevante destacar, nesse sentido, que numa análise feita de 71 casos de escândalos ocorridos no país, no período de 1970 a 2012, se constata que em todos eles, em maior ou menor intensidade, foram encontrados indícios da forma de gestão patrimonialista por parte dos envolvidos, em especial, dos parlamentares, autoridades do poder executivo e judiciário e servidores públicos (Matias-Pereira (2013).

Registre-se que, sob uma perspectiva histórica, a sobrevivência do patrimonialismo até a atualidade tem suas raízes nas relações de poder, na estrutura social e nos valores políticos e ideológicos prevalecentes na sociedade brasileira. Esse processo de retroalimentação do patrimonialismo além de afetar o desempenho da administração pública, na medida em que facilita desvios e a corrupção, se apresenta uma ameaça real à governança e à democracia do país.

É sabido que o combate à corrupção se concretiza - como revela a experiência dos países mais evoluídos nesta área - com a estruturação de órgãos e instituições estatais independentes, com recursos humanos preparados e bem remunerados. É necessário haver uma cultura social que apoie este esforço, sem distinções, visto que não é possível existir um Estado honesto sem uma sociedade integra. Assim, o combate à corrupção somente terá sucesso se houver mudança da estrutura estatal para enfrentar o problema e uma mudança da cultura social.

Diante do crescente enfraquecimento das instituições, pela prática continuada de decisões que conflitam com os interesses da sociedade, é relevante alertar que o Estado brasileiro pode vir a enfrentar uma crise de governança. Para sustentar esta afirmação estamos levando em consideração as condições sistêmicas inadequadas de exercícios do poder por parte do Estado para o atendimento das demandas da sociedade brasileira. Vislumbra-se que o somatório dos instrumentos institucionais, recursos financeiros e meios políticos de execução das metas definidas estão aquém dessas expectativas.

A reforma do aparato administrativo do Estado, diante do cenário atual da administração pública no Brasil, é uma medida necessária, com vista a torná-lo mais democrático, mais eficiente, eficaz, efetivo e capaz de atender adequadamente os usuários dos serviços públicos. É relevante alertar que a refundação da administração pública é um processo de extrema complexidade, que demanda profundos e detalhados estudos.

Seu processo de reestruturação implica, efetivamente, na reavaliação de práticas e valores que estão arraigados em nossa sociedade. Assim, a reforma da administração passa pela vontade política do governante, da participação do parlamento e do envolvimento dos demais atores que dela irão se beneficiar. Nesse esforço, a busca da transparência na gestão pública é imprescindível.

É importante destacar, por fim, que é essencial que se promova a refundação da administração pública com vista a permitir que cumpra bem o seu papel de promover o bem comum. Nesse sentido, a função da refundação da administração é buscar rearticular o Estado e suas relações com a sociedade de forma a adaptar-se a esse novo cenário econômico e político internacional.

Ela tem como principal justificativa a imperiosa necessidade do governo de atender por meio da administração as crescentes demandas da sociedade com serviços públicos de qualidade, reduzir gastos, implementar e avaliar políticas públicas, elevar a transparência, além de promover e estimular investimentos em setores estratégicos, criando as condições para a retomada do processo de desenvolvimento sustentável do Brasil.

(*) José Matias-Pereira é professor-pesquisador associado do Programa de Pós-Graduação em Contabilidade da Universidade de Brasília. Economista e advogado, é doutor em Ciência Política (UCM-Espanha) e pós-doutor em Administração pela FEA/USP. Autor, entre outros, de Economia Brasileira, Finanças Públicas: A política orçamentária no Brasil, Curso de Administração Pública, Curso de Administração Estratégica.

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