Peixes além do aquário
A entrega do “Aquário” aos sul-mato-grossenses, rebatizado corretamente de “Bioparque Pantanal", foi emblemática pela razão inicial da responsabilidade no uso dos recursos públicos e, sem dúvida, pela importância de tornar público e acessível, num ambiente artificial, uma das maiores riquezas do nosso estado, os recursos naturais.
Mais de 70 mil pessoas já estiveram visitando os espaços e o índice de avaliação positiva é altíssimo. Uma vitória técnica e política que deve ser reconhecida. Uma frase de Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos, me parece oportuna na minha reflexão: “Se não temos a consciência do quanto avançamos, terminamos por perder nosso sentido de urgência”.
Poucos conhecem a complexidade e o desafio que foi a obra. Ela exigia uma engenharia de alto nível e equipamentos sofisticados para que não somente a arquitetura fosse adequada, mas também para que as espécies vivas sobrevivessem. Cálculos estruturais foram refeitos, vidros quebraram no manuseio e muitos, muitos peixes morreram esperando a nova casa que, pelo óbvio, deveria ser como um ambiente natural. Vencemos.
Mas nosso Estado possui ainda importantes ativos biológicos, ambientes naturais com populações de cardumes saudáveis e que devem ser protegidos ainda mais com objetivo de assegurar a proteção de biodiversidade. A complexidade é ainda maior, pois trata-se de um ecossistema frágil e dotado de uma sacralidade fascinante. Imaginem o processo natural de reprodução, a migração, a dança nupcial do pacu, que, por sorte, ainda existe.
Devemos proteger para que as futuras gerações conheçam não somente no Bioparque as mais de 250 espécies de peixes que possuímos. O Estado tem criado restrições importantes em rios e lugares mais sensíveis. Empresários do turismo de pesca em Corumbá, através da Acert, adotaram o “pesque e solte” voluntariamente enfrentando clientes que, aos poucos, aceitaram. O resultado desta iniciativa evitou a retirada de mais de 270 toneladas de peixes.
Agora temos que ter coragem de enfrentar a pesca comercial, especialmente a ilegal, predatória. Não faz mais sentido o Estado, que tem uma das melhores produções em tanque rede, permitir que seja retirado peixes dos rios. Imagine você comendo um pacu, um pintado, uma curimba oriunda de pesca predatória? Lamento que ainda temos donos de restaurantes que compram peixes sem certificar a origem. Tenho certeza que poderíamos migrar os poucos e verdadeiros pescadores para a criação em tanques redes, pisciculturas.
Além de tudo, os rios perderam profundidade pelo assoreamento e estamos assistindo nossos rios, como o Aquidauana e Miranda, serem atravessados a pé. Os indicativos de um ciclo de seca e a evidência de mudanças climáticas estão postas. A manutenção destes grandes aquários naturais representa o nosso maior desafio e uma oportunidade. O que precisamos é de força política e coragem para enfrentar este tema, e assim tomarmos decisões que protejam nosso futuro. Recorro a Guimarães Rosa para concluir: “Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?”.
(*) Coronel Ângelo Rabelo, presidente do Instituto Homem Pantaneiro.