Uma breve análise sobre pobreza energética
Em novembro de 2023, discuti nesta seção como a rotina na periferia de São Paulo mergulhou no caos quando a energia faltou. Esse episódio, que inicialmente parecia pontual, logo se tornou uma triste rotina em dias de chuva, revelando uma teia intricada de fatores que contribuem para o que chamamos de “pobreza energética”. Em termos simples, trata-se da impossibilidade de acessar serviços energéticos que permitam o aquecimento em tempos de frio, considerando o contexto britânico vivido por Brenda Boardman, quem introduziu esse conceito.
No Brasil, embora o conceito de pobreza energética tenha sido pouco abordado, uma análise mais aprofundada foi realizada pelo Instituto Polis em 2022. Este estudo revelou que a pobreza energética no País está associada à carência de acesso a serviços modernos, à dependência de combustíveis poluentes, como a lenha, à infraestrutura inadequada, à baixa renda e à implementação de políticas governamentais ineficazes.
Entretanto, uma vez que a energia é uma necessidade básica dispendiosa em qualquer parte do mundo, a pobreza energética também está presente nos países considerados desenvolvidos. Na Europa, em meio à recessão e com um inverno intensificado pelas alterações climáticas, estima-se que mais de 35 milhões de pessoas sejam afetadas pela pobreza energética. Portugal, por exemplo, ocupa o quinto lugar na União Europeia em condições econômicas inadequadas para manter as casas aquecidas, com cerca de 19% dos portugueses afetados. Como resposta a esta situação, Portugal planeja eliminar a pobreza energética até 2050, seguindo uma estratégia aprovada em janeiro de 2024, baseada em quatro eixos estratégicos de atuação.
Seja no centro ou na periferia do sistema, o custo social associado à pobreza energética é significativo e abrange uma série de problemas interligados. A saúde, a educação e até mesmo o descanso são afetados. Outro aspecto pouco discutido, mas que aparece na literatura, é a ansiedade resultante do recebimento de contas de energia elevadas. Ao ligarmos ventiladores, ar-condicionados ou aquecimento em regiões frias, uma nova preocupação surge: como vamos pagar por isso?
Em outras palavras, o uso de dispositivos para o conforto térmico mínimo adiciona uma camada de preocupação tanto para o indivíduo quanto para a família, por vezes levando a um desvio de renda para cobrir despesas energéticas crescentes. Nesse contexto, as pessoas se veem obrigadas a decidir entre quitar a conta de luz ou colocar comida na mesa. Essa pressão financeira pode resultar em carências em outras áreas essenciais, perpetuando um ciclo de pobreza em várias dimensões.
Na minha perspectiva, apesar de pouco abordado no Brasil, o conceito de pobreza energética é muito atual, pois vai além do debate sobre o acesso à energia, incorporando a discussão sobre desigualdades e, consequentemente, uma compreensão das classes sociais. Esse aspecto é particularmente significativo no contexto brasileiro, onde a universalização do acesso à energia ainda é um desafio. Em 2022, o governo anunciou que, ao longo de 20 anos, 17 milhões de pessoas obtiveram acesso à energia através do programa Luz para Todos, estendido agora até 2026.
O fato é que, mesmo nos locais onde o acesso a energia já é universalizado, a pobreza energética se faz presente. Nos últimos anos, percebemos que o cotidiano se tornou muito mais incerto, principalmente no que se refere ao fornecimento de energia e à manutenção do conforto térmico diante das altas temperaturas.
No primeiro mês de 2024, já existem diversos relatos neste sentido. Em Maricá, por exemplo, diversas famílias levaram colchões, roupas de cama e cadeiras de praia para dormir na praia à noite, enfrentando dificuldades para manter a rotina devido às temperaturas extremas, a chuva, a falta de energia e a ausência de respostas políticas contundentes.
Por fim, para entender a pobreza energética e seu impacto na rotina, é preciso também compreender o conceito de classe social, criando métricas para perceber como essa insegurança se reverbera. E aqui, poderíamos incluir o debate sobre a forma como as empresas distribuidoras de energia no Brasil têm respondido a essas situações, muitas vezes contribuindo para a manutenção dessa condição, mas este é um tema espinhoso que envolve também um debate sobre a energia como área estratégica e as privatizações, portanto, deixarei para um próximo texto.
(*) Elaine Santos é pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.