Barbeiros "cancelam" revista de mulher pelada para entrar em uma luta louvável
Eles começam a desconstruir o machismo no reduto dos homens para ajudar na luta contra o feminicidio
Dos 41 anos de vida do barbeiro Ivan Aristimunho, os últimos seis foram passados trabalhando em barbearias da Capital com um público e num ambiente considerado machista. Criado por mulheres, Ivan trouxe de casa o ensinamento da mãe e da irmã, de sempre enxergá-las no tratamento ao outro, e ano passado esteve frente a frente com o machismo que provoca violências contra a mulher e termina, em grande parte dos casos, em feminicídio.
Ivan foi um dos barbeiros que passou pela ampliação do Projeto Mãos EmPENHAdas Contra a Violência: o “Barba, Cabelo e Bigode – Violência não pode. #Todos juntos contra a violência doméstica”, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. O programa que anteriormente era voltado à capacitar profissionais de salão de beleza no acolhimento às vítimas foi para o outro extremo, trabalhar o assunto com os autores da violência.
Em 2020, o curso chegou a 35 participantes, a maioria deles de forma virtual, nas cidades de Campo Grande, Paranaíba e Bonito. A capacitação falava sobre aspectos culturais da violência contra a mulher, as raízes no patriarcado e o papel do homem na construção da masculinidade.
"Essa foi a primeira vez que vimos uma palestra sobre o assunto, mas eu sempre tive essa parte da educação, minha mãe sempre botou a gente para olhar como se fosse ela ou minha irmã na hora de tratar as pessoas", conta Ivan.
Criado por mulheres independentes, o barbeiro teve exemplo em casa, mas viu porta afora a cultura do machismo dizer que mulher não pode isso ou aquilo. Desde que começou a trabalhar em barbearia, percebeu também o quanto os homens podem ser machistas, e como isso vem mudando nos últimos anos.
"No começo barbearia era bem machista, algumas não podiam nem entrar mulher, já presenciei barbearia pedindo para acompanhante mulher sair. Evoluiu muito, antes você chegava e tinha revista de mulher pelada, cara falando bobeira, hoje em dia mudou isso, o ambiente", afirma Ivan.
Para ele o papel do homem, principalmente do barbeiro, é hoje o de desconstrução. "Não deve haver extremismo de nenhum lado, a gente tem que ter respeito mútuo e saber que a sua liberdade vai até onde a do outro começa. Se você faz uma brincadeira que a pessoa não gostou, é porque não é uma brincadeira, e assim a gente vai pautando", diz.
Há 12 anos no mercado, Renan Reggiani Silveira, de 34 anos, também é barbeiro que fez o curso e vê em si que ainda tem o que ser desconstruído. Apesar de estar nos rolês alternativos e ter uma visão da luta feminista, ele ainda tem que se policiar quanto ao que fala.
"Não vou dizer que eu não seja machista. Eu tento desconstruir isso, quando vejo que falei alguma coisa, tento não falar mais", admite.
O que ele achou mais bacana é que o projeto levou o assunto para dentro das barbearias, segmento que ainda é muito machista não só pelo profissional como os clientes. "A grande maioria nunca teve esse contato, essa informações, e eu achei legal isso. O curso foi o primeiro passo para geral entender o que rola, tem muita gente que ainda tem aquilo 'em briga de marido e mulher não se mete a colher', e não é bem assim", comenta.
Justiça - Coordenadora estadual da mulher em situação de violência doméstica e familiar do TJ/MS, a juíza Helena Alice Machado Coelho fala que a expansão do projeto foi justamente para trazer os homens para a discussão.
"A violência de gênero não diz respeito apenas às mulheres, diz respeito aos homens e do quanto sensibilizá-los da necessidade de entrarem também, não é só dizer que não são machistas ou não praticam a violência, é poder auxiliar outros amigos que reproduzem essa violência", explica a magistrada.
A juíza diz que muitas vezes os homens não se reconhecem como autores, como sendo eles praticando a violência. "Quando eles diminuem as mulheres, dizendo que o feminino é inferior ao masculino, quando a gente sabe que somos iguais, desde uma piada machista até o sentimento de posse, que pode levar ao feminicídio, a gente tem que entender que é o mesmo contexto. Quando o homem admite que a mulher é menos do que ele, ele admite que a vida dela vale menos e se sente capaz da prática do feminicídio", enfatiza a coordenadora.
O projeto quer acabar com a perpetuação do comportamento machista e explicar que a violência não é só física, ela está nos comentários sutis, na violência psicológica, no menosprezo. "Quando eu permito que um colega fale que minha mulher não vale nada e eu fico quieto, eu estou anuindo com aquilo e ajudando a perpetuar. Queremos abrir os olhos dos homens e chamar para essa mudança de comportamento", frisa a coordenadora.
O projeto quer seguir com barbearias agora e abranger ainda mais o interior. Barbeiros interessados em participar da capacitação on-line. podem entrar em contato direto com a coordenadoria pelo telefone 3314-1988.