"Catástrofe financeira" mantém prisão dos denunciados em pirâmide milionária
3ª Vara Federal de Campo Grande ainda manteve ação; grupo movimentou R$ 80 milhões em dois anos
A juíza Júlia Cavalcante Silva Barbosa, da 3ª Vara Federal de Campo Grande, manteve a denúncia e a prisão do grupo acusado de envolvimento em esquema internacional e milionário de pirâmide financeira, com atuação em Mato Grosso do Sul. Nas alegações, a magistrada avaliou que a organização criminosa descoberta na Operação La Casa de Papel provocou “catástrofe financeira”, sendo necessária manter a ordem pública e econômica.
A operação da PF foi desencadeada em 19 de outubro de 2022 e apurou crimes de lavagem de dinheiro, estelionato, organização criminosa e crimes contra a SFN (Sistema Financeiro Nacional). Estima-se que o prejuízo total aos clientes enganados pelo grupo chegue a 4 bilhões.
No despacho publicado nesta quinta-feira (6), no Diário da Justiça Federal, consta que a juíza também agendou para julho e agosto as audiências de instrução e julgamento, com interrogatório das testemunhas de acusação e defesa e dos réus, estes, por meio de sessões virtuais, pois estão detidos em outros Estados.
No despacho, a juíza manteve a denúncia de participação em organização criminosa, operação ilegal de instituição financeira, gestão fraudulenta, crime contra patrimônio da União e crime ambiental, lavagem de dinheiro.
Réus - Foram denunciados Diego Ribeiro Chaves, 35 anos, preso em Guarulhos (SP); Fabiano Lorite de Lima, 44 anos, preso em Palmas (TO); Diorge Roberto Araújo Chaves, 59 anos, preso em Canoas (RS); Ivonélio Abrahão Silva, 49, anos, e Patrick Abrahão Santos Silva, 25 anos, respectivamente, pai e filho, ambos detidos no presídio de Gericinó, no Rio de Janeiro. Patrick é músico, empresário e casado com a cantora Perlla.
No despacho, Julia Cavalcante elenca as acusações que constam na investigação realizada pela Polícia Federal e que resultou na Operação La Casa de Papel.
O rastro do esquema começou a ser seguido em 20 de agosto de 2021, na apreensão de 2,35 quilos de esmeraldas e prisão de Fabiano Lorite, Cláudio Barbosa e Jean Pessoa de Souto, em abordagem feita pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) em Rio Brilhante. As pedras estavam avaliadas em R$ 508 mil.
Conforme a denúncia ofertada pelo MPF (Ministério Público Federal), os acusados integraram a organização criminosa, pelo menos, no período entre maio de 2019 a outubro de 2022.
Os acusados eram parte do grupo empresarial denominado Trust Investign, por meio do qual realizavam a captação de recursos financeiros de terceiros, dentro e fora do Brasil, e aplicavam sem autorização legal no mercado de criptomoedas e outros ativos, assumindo as “feições de uma pirâmide financeira”, cita a denúncia.
“É descrito que a TRUST INVESTING oferecia serviços de investimentos com rentabilidade impraticável no mercado de ações (0,1% a 5% ao dia, 200% a 500% ao ano), contudo a empresa não existia oficialmente, de maneira documental, e tampouco dispunha de autorização de operação pela Comissão de Valores Mobiliários”, consta na denúncia.
Conforme denúncia do MPF, Patrick Abrahão intitulava-se “number one” da Trust Investing, sendo garoto-propaganda do grupo. “Com o intuito de demonstrar seu alto poder aquisitivo oriundo de investimentos na empresa, postava fotos junto a veículos de luxo, utilizando roupas de grife caríssimas, dentre outras”.
O grupo lançou uma segunda criptomoeda, a Truster Energy, em outubro de 2021, com volume negociado acima do normal, segundo o MPF. Com apenas cinco carteiras de investimento, foi identificada movimentação de R$ 8.873 milhões.
As esmeraldas se encaixavam no segmento Trust Diamond. Os recursos dos investidores seriam convertidos em pedras preciosas custodiadas em um banco na Suíça ou no Brasil, as quais serviriam de garantia, caso a Trust não honrasse com o pactuado.
No total, do período de janeiro de 2019 a julho de 2021, a investigação apontou pelo menos 36 comunicações de operações suspeitas, com valores globais de R$ 80 milhões. Somente a Igreja Ministério Internacional Restaurando as Nações, administrada por Ivonélio Abrahão, a movimentação foi de R$ 15 milhões, no período de 24 de abril de 2020 a 3 de junho de 2021, fato destacado pelo MPF por conta do baixo número de fieis, cerca de 500 membros.
A denúncia foi aceita pela 3ª Vara Federal de Campo Grande em fevereiro de 2023.
A defesa de Diego Ribeiro Chaves alegou que a denúncia não apresenta indícios moralmente legítimos de atos delituosos, sendo genérica. Os advogados de Fabino Lorite, Patrick e Ivonélio Abrahão negam envolvimento com a empresa Trust Investign e acreditam que a denúncia não apresenta indícios concretos de autoria, sendo embasadas apenas em ilações e deduções. Para Diorge Chaves, a informação é que, logo que tenha acesso à integralidade dos dados obtidos nos aparelhos de telefone celular apreendidos, apresentará novas manifestações.
A juíza considerou que não há qualquer ilegalidade na denúncia, que contém imputações de crimes de altíssima complexidade e grande numero de participantes, não podendo “denúncia geral” ser tomada como “denúncia genérica”.
Também rejeitou a concessão de liberdade aos envolvidos. Citou que a atuação criminosa somente foi cessada com a prisão dos integrantes, sendo necessária a manutenção das preventivas para ordem social. “(...) há que se considerar a magnitude da lesão a milhares de pessoas atingidas, em diversos países, tratando-se de uma catástrofe financeira, do que decorre a necessidade indubitável de resguardo da ordem pública e ordem econômico-financeira, além de zelar pela efetividade da persecução criminal, evitando-se que os investigados, uma vez postos em liberdade, venham a prejudicar o complexo processo de investigação e coleta de provas”.
No despacho, a magistrada citou ainda o fato de um dos envolvidos, Fabiano Lorite, ter dupla cidadania (brasileira e espanhola) e “múltiplos endereços”, chegando a apresentar, durante audiência de custódia, um que nem foi identificado. Outro fato é do flagrante ocorrido na cela de Patrick Abrahão, encontrado com celular, “(...) demonstrando o desprezo pelas instituições, e aptidão para burlar regras”.
A ação foi mantida, assim como as prisões. A juíza marcou audiências nos dias 21, 28, 31 de julho, 3 e 4 de agosto. Para Cláudio Barbosa, 45 anos, que chegou a ser preso com as esmeraldas em Rio Brilhante, mas foi liberado, o processo foi desmembrado, já que está foragido.