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Cidades

Claudinho “previu” 500 mortes e alegou “humanidade” para fisgar meio milhão

Delator revelou esquema com empresa de “fachada” para desviar verba destinada a abrir vagas e manter cemitério

Por Anahi Zurutuza | 20/06/2024 12:55
Claudinho “previu” 500 mortes e alegou “humanidade” para fisgar meio milhão
Claudinho Serra durante juramento na posse como vereador em Campo Grande (Foto: CMCG/Divulgação)

Até a morte foi subterfúgio usado por Cláudio Jordão de Almeida Serra Filho, o Claudinho Serra (PSDB), para embolsar dinheiro dos cofres da Prefeitura de Sidrolândia. A informação foi dada por Tiago Basso da Silva, o ex-servidor que foi de cooptado para esquema desvendado pela Operação Tromper a delator, confirmada em investigações do Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção) e da reportagem do Campo Grande News.

Em dezembro de 2022, a Prefeitura de Sidrolândia abriu licitação para “contratação de empresa para execução de serviços de manutenção, conservação e limpeza do cemitério municipal”. No edital, assinado por Claudinho Serra, o então secretário de Fazenda do município, previu a construção de 500 carneiras (câmara mortuária) no Cemitério São Sebastião.

A contratada teria 1 ano para executar o serviço e receberia ainda para manter o espaço de 30 mil metros quadrados “nos trinques”. O valor estimado pelo secretário para a terceirização era de R$ 522 mil.

Dizer que precisa de tudo isso [500 vagas em cemitério], só se tivesse outra pandemia muito pior”, comentou morador da cidade com o Campo Grande News.

Ele explica que o cemitério municipal é o único em Sidrolândia e não tem mais vagas para enterros. Por isso, os sepultamentos acontecem nas carneiras, uma espécie de armário concreto onde são colocados os caixões.

Claudinho “previu” 500 mortes e alegou “humanidade” para fisgar meio milhão
Exemplo de carneiras, numa obra em Cachoeira do Sul, no interior do RS (Foto: Portal OCorreio)

A licitação foi suspensa por impugnações, depois seguiu e em 2023, a JL Serviços Empresariais e Comércio de Alimentos Ltda. – empresa com 21 atividades diferentes cadastradas no CNPJ, conforme base de dados da Receita Federal – sagrou-se “vencedora” de pregão presencial, “conquistando” contrato de R$ 355 mil com o município, com a obrigação de abrir 250 vagas no cemitério.

Acontece que, segundo o Gecoc e o ex-servidor que fechou acordo de colaboração premiada com o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), tudo não passou de “teatro” em mais uma estratégia de Claudinho para desviar recursos públicos. A empresa está em nome de Jacqueline Mendonça Leiria (“JL”), funcionária dos pais do secretário há mais de 10 anos. Para os investigadores, “laranja” no esquema.

A JL nunca prestou serviços em Sidrolândia, afirma Tiago Basso. A empresa sequer enviou representante para participar no leilão de “menor preço” para vencer a licitação, função que ficou a cargo de outro alvo da Tromper, o empresário Ricardo Rocamora, consta em relatório do Gecoc.

Veja trecho da delação contendo alguns detalhes:

Plano macabro – O plano para abocanhar parte da receita do município de 47 mil habitantes – segundo o Censo 2022 – começou muito antes. Claudinho tomou posse como secretário em dezembro de 2021 e a empresa foi aberta dois meses depois, em fevereiro de 2022, com endereço em uma sala comercial na Avenida Calógeras, em Campo Grande, que estava fechada e desocupada, segundo o Gecoc verificou com vizinhos em visita ao local no ano passado.

Em pouco tempo, a JL foi convidada pela Prefeitura para serviço emergencial no cemitério de Sidrolândia.

“Nesse sentido, apurou-se que a empresa JL Serviços Empresariais foi criada em 21/02/2022, aproximadamente 80 dias após a nomeação de Cláudio Serra Filho, e mesmo sem demonstrar/aparentar experiência, aptidão e/ou estrutura mínima necessária para figurar como licitante, 90 dias após a sua criação conquistou a sua primeira licitação pública, no Município de Sidrolândia, que foi conduzida na modalidade ‘Convite’ (000202/22), cujo objeto tratou da ‘contratação de empresa para a execução de serviços de manutenção, conservação e limpeza do cemitério municipal na sede do Município de Sidrolândia’, com período de vigência de seis meses (05/07/2022 a 05/12/2022) ao custo total de R$ 175.450,00”, informa relatório do Gecoc.

Questão humanitária - Para justificar a contratação emergencial, Claudinho alegou respeito aos mortos. “Trata-se ainda de uma questão humanitária aos mortos da cidade e a seus familiares, oferecendo serviços em condições dignas para que possam velar e ou prestar homenagens póstumas aos seus entes em ambientes limpos, com a devida manutenção e conservação e segurança”, diz a justificativa apresentada na divulgação das concorrências públicas.

A empresa recebeu seu primeiro pagamento – de R$ 29.950 – no dia seguinte ao início da vigência do contrato, conforme nota de empenho emitida pela prefeitura. O valor era referente a construção de 250 sepulcros – 150 em tamanho padrão, 50 para crianças e outros 50 em “tamanho especial”.

Claudinho “previu” 500 mortes e alegou “humanidade” para fisgar meio milhão
Nota de empenho por "serviço prestado" por empresa que segundo o MP é de "fachada" (Foto: Reprodução)

Tudo isso numa localidade onde a frequência de óbitos é considerada baixa. Sidrolândia tem três funerárias e em 2022, registrou 265 morreram por lá – menos de 1 óbito por dia –, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Tem semana que ninguém morre”, relatou agente funerário ao Campo Grande News, com a condição de ter o nome preservado.

Entre sábado e esta quarta-feira (19), foram registradas 5 mortes na cidade. E nem todo mundo que morre no município é sepultado no cemitério municipal. “Os assentamentos têm cemitérios e os indígenas enterram seus patrícios na área onde vivem”.

“Daí em diante a atuação da empresa se intensificou, conquistando um contrato no valor de R$ 68.312,00 em decorrência de uma dispensa de licitação (000023/23) e de um Pregão Presencial n. 0019/2023, processo licitatório n° 000076/23, ao custo global inicial de R$ 355.000,00”, anotou o MP para embasar os pedidos de prisão e buscas da terceira fase da Tromper.

E tem mais – Na delação, Tiago Basso ainda cita que toda a manutenção do cemitério é feita por servidores contratados pela Prefeitura de Sidrolândia e que a JL nunca apareceu por lá. São cinco pessoas trabalhando no local, confirmou o agente funerários.

O ex-servidor lembra, por fim, de possível superfaturamento de contrato com outra empresa para a revitalização do cemitério. A prestadora do serviço também foi investigada e denunciada por fazer parte do esquema.

O acordo – Tiago Basso fechou acordo de colaboração premiada no ano passado, três meses após ser preso na 2ª fase da Tromper. Ele confessou fazer parte de organização criminosa e cometer corrupção passiva. Em troca, deixou a prisão no dia 31 de outubro de 2023.

Classificado como “importante peça desse grupo criminoso para o sucesso na execução dos ilícitos”, Basso também foi poupado da última denúncia oferecida pelo Ministério Público, contra Claudinho Serra e outras 21 pessoas.

Aliás, foi em nota de rodapé, trazida na peça do MP, que houve a confirmação de que o ex-servidor havia virado delator. “Deixa-se, por ora, de denunciar Tiago Basso da Silva pelos fatos descritos na inicial acusatória, por ter pactuado colaboração premiada com o Ministério Público, já homologada judicialmente no âmbito do Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul”, diz o parágrafo em letras miúdas.

Cláudio Serra tem 32 anos, é vereador em Campo Grande e genro de Vanda Camilo (PP), prefeita de Sidrolândia. Ele está afastado do cargo na Capital desde que foi preso, em abril.

As defesas – O advogado de Tiago Basso, Wellison Muchiutti afirma que não há nada a pontuar, uma vez que “os fatos já estão no processo e no termo de colaboração”.

Fabio de Melo Ferraz, que advoga para outros réus, afirma que “o colaborador não apresentou nenhuma prova contundente, robusta, irrefutável das alegações que fez”. Ele buscará a Justiça para invalidar a delação. “Por isso, vamos em momento oportuno, questionar a validade da colaboração tendo em vista a sua fragilidade”.

Já a defesa de Claudinho Serra foi acionada pela reportagem na segunda-feira (17), mas até o fechamento desta matéria, o advogado Tiago Bunning não havia respondido ligação ou às mensagens enviadas. João Paulo Calves, defensor de Jacqueline Mendonça Leiria, também foi procurado e ainda não deu retorno.

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