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Cidades

Ex-motorista vira enfermeiro e monta ambulância com psicóloga emergencial

Socorrista virou enfermeiro e empreendeu quando demanda aumentou com covid, realizando sonho de 10 anos

Caroline Maldonado | 30/10/2021 09:06
Psicóloga Giseli Oliveira e paciente em ambulância da Anjos Remoções. (Foto: Arquivo Pessoal)
Psicóloga Giseli Oliveira e paciente em ambulância da Anjos Remoções. (Foto: Arquivo Pessoal)

O sonho de um condutor socorrista de ter suas próprias ambulâncias chegou a parecer impossível, mas depois de uma década, acabou tornando-se realidade em meio à pandemia e trouxe para Mato Grosso do Sul um serviço inédito: o apoio psicológico emergencial. Rafael Jara, de 44 anos, ficava atrás do volante e fazia suporte básico, como reanimação e imobilização, mas percebeu que muita coisa no atendimento poderia ser melhor, inclusive, nos casos de pessoas com crises emocionais, que já não eram poucos e aumentaram com a pandemia.

A crise de saúde mundial foi o momento oportuno para o motorista de ambulância, que se formou em Enfermagem, em 2016. Em meio aos plantões cansativos, Jara conseguiu comprar a primeira ambulância, com muita dificuldade, em 2020. Era o primeiro veículo da Anjos Remoções.

Enfermeiro Rafael Jara, proprietário da Anjos Remoções, em frente a uma de suas ambulâncias. (Foto: Marcos Maluf)
Enfermeiro Rafael Jara, proprietário da Anjos Remoções, em frente a uma de suas ambulâncias. (Foto: Marcos Maluf)

“Era muito caro. Só tinha o carro da minha esposa para vender e dar de entrada, um valor que não pagava nem metade, até que um empresário, para quem já tinha trabalhado, fez uma proposta e paguei boa parte parcelado, em 2020. Depois, consegui comprar dele o segundo veículo, que hoje é uma UTI Móvel”, conta o enfermeiro.

Esposa de Jara, a psicóloga Giseli Oliveira, de 48 anos, abraçou o sonho do enfermeiro e acabou agregando com um diferencial em meio à demanda, que só cresce com a pandemia.

Mato Grosso do Sul tem somente cerca de cinco empresas pioneiras que fazem remoções, sendo alternativa ao serviço público feito pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), quase sempre sobrecarregado.

Psicologia emergencial - “O Jara percebeu que grande parte das ocorrências e solicitações por remoções e atendimentos, na realidade, eram crises de ansiedade e pânico. A necessidade é imensa, somos um Estado adoecido psicologicamente, em terceiro lugar no ranking em casos de suicídio no Brasil, segundo onde mais acontecem divórcios e, consequentemente, o transtorno de ansiedade vai se multiplicando”, destaca Giseli.

Psicóloga Giseli Oliveira atendendo idosa em ambulância. (Foto: Arquivo Pessoal)
Psicóloga Giseli Oliveira atendendo idosa em ambulância. (Foto: Arquivo Pessoal)

Segundo a psicóloga, ainda não é muito comum a população buscar ajuda psicológica, o que acaba desencadeando emergências.

“Precisamos ainda desenvolver mais essa cultura. Atendemos muitos casos de luto, estresse pós-traumático, idosos com depressão ou crise nervosa, que não podem se deslocar até o consultório e pacientes acidentados ou que tiveram AVC (Acidente Vascular Cerebral) e não aceitam o fato de não poderem voltar ao trabalho, nem cooperar com o tratamento físico terapêutico”, conta.

Os casos vem aumentando com a pandemia devido à ansiedade, medo da doença, incerteza sobre o futuro e luto pelos parentes que morreram de covid-19. Como enfermeiro, Jara chegou a presenciar crises de colega de trabalho. "Se tivesse um psicólogo ali na hora, seria muito melhor", comenta.

“A família se sente muito aliviada quando chegamos com a ambulância e a psicóloga. Apesar do médico, o enfermeiro e bombeiros estarem habilitados para atender, nada é igual ao atendimento psicológico emergencial. Tem casos em que o paciente está agressivo e a contenção verbal, a conversa com o psicólogo é fundamental. A imobilização de forma mecânica não é boa, às vezes, pode fazer até muito mal ao paciente”, comenta Jara.

A psicóloga explica que o apoio psicológico emergencial é, basicamente, o acolhimento e escuta qualificada em uma situação de crise, momento que o indivíduo sente uma vivência de paralisação do processo de vida, invadido por um sentimento de confusão e solidão.

“É a ajuda psicológica quando surge um problema pontual, para que ele não se transforme em uma desordem psíquica ou uma doença crônica”, explica.

UTI (Unidade de Terapia Intensiva) Móvel. (Foto: Marcos Maluf)
UTI (Unidade de Terapia Intensiva) Móvel. (Foto: Marcos Maluf)

Área protegida – Em sete meses, rodando as ruas da Capital e estradas do Estado, a empresa do casal já tem novos desafios, junto aos condutores, enfermeiros e médicos parceiros.

Depois de atender uma casa de repouso de idosos em que uma senhora caiu e a empresa que eles pagavam não foi ao local, Jara percebeu que podia oferecer outro serviço.

Depois de cair, a idosa foi levantada de forma inadequada. Assim, surgiu a ideia de fazer área protegida, em que ficam à disposição 24h e ainda dão treinamentos de primeiro socorros aos funcionários das empresas e instituições.

"Também fazemos cobertura de eventos. É tudo sempre com atendimento humanizado, com respeito, muita responsabilidade, que nem sempre acontece nas empresas que prestam esse serviço. Quando eu era condutor, isso me incomodava muito, mas eu não podia fazer nada. Hoje, a Anjos tem esse diferencial”, conta orgulhoso.

Jara lembra que é importante verificar se a empresa não é clandestina, antes de chamar uma ambulância. "As pessoas podem pedir para ver o alvará sanitário. É bem burocrático para conseguir as licenças e muitas empresas atuam na clandestinidade, mas isso é um risco que pode custar uma vida".

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