Fraude em licitações vai de ar-condicionado e remédios a ressonância e ultrassom
O Campo Grande News identificou quatro de cinco processos licitatórios citados como alvo de golpe
Organização criminosa que desviou pelo menos R$ 68 milhões dos cofres estaduais fraudou licitações de aparelhos de ar-condicionado, contratação de equipe médica, locação de equipamentos de imagem e até medicamentos. O Campo Grande News identificou quatro de cinco processos licitatórios citados como alvo de fraude.
O de maior valor foi repassado à Health Brasil Inteligência em Saúde Ltda, que nem foi alvo da Operação Turn Off deflagrada hoje pelos dois braços investigativos do Ministério Público de Mato Grosso do Sul: Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) e Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção).
A empresa ganhou licitação por R$ 36,9 milhões para locação de equipamentos médicos de imagem, como ressonância magnética, ultrassonografia e tomografia nos sistemas Pacs/RIS (Sistema de Arquivamento e Compartilhamento de Imagens / Sistema de Informação de Radiologia).
Relatório do juiz da 2ª Vara Criminal, Eduardo Eugênio Siravegna Junior, explica que o pregão eletrônico 99/2022 teve atuação de Lucas Andrade Coutinho, Sérgio Duarte Coutinho Júnior e Simone Ramires de Oliveira Castro para beneficiar a Health vislumbrando que serviços poderiam ser repassados à Isomed Diagnósticos.
“Em que pese a empresa Health Brasil não pertença aos investigados, extrai-se que o objeto do contrato consiste na prestação de serviços de fornecimento/locação de equipamentos de modalidade médica, sistemas PACS/RIS, e Infraestrutura de Tecnologia, que por sua vez é ligado à empresa Isomed Diagnósticos, de propriedade da esposa de Sérgio Coutinho, responsável pela interpretação e emissão de laudos de exames dos equipamentos fornecidos.”
Nesse caso, Simone, servidora estadual e pregoeira de licitações do Estado, recebeu propina para que a empresa Health fosse beneficiada, com a ajuda dos irmãos Sérgio e Lucas. Em 18 de outubro de 2022 “Lucas Coutinho envia mensagem para seu irmão Sérgio Duarte Coutinho dizendo que Simone estaria perguntando “se tem alguma coisinha para ela lá, do negócio da empresa lá”, se referindo a pagamento de propina por ter auxiliado a licitação da empresa Health”, cita trecho do relatório.
O segundo processo licitatório mais caro, o 0027/2022 da SES (Secretaria de Estado de Saúde) foi de R$ 12,1 milhões, mas já está em R$ 18,2 milhões segundo dados do Portal da Transparência do Governo de MS. Iniciado em agosto do ano passado, o contrato visa contratação de equipe médica para laudar exames de raio-x, mamografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética, além de coordenar equipe profissional do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul nessa área.
A dona da empresa é esposa de Sérgio, Thaline Hernandez das Neves Coutinho, esposa do investigado Sérgio Coutinho, e “a alegada prática criminosa contou com a participação de Lucas Andrade Coutinho, Sérgio Duarte Coutinho Júnior, Simone Ramires de Oliveira Castro, Thiago Haruo Mishima e Victor Leite de Andrade”.
“No referido processo licitatório, as mensagens de whatsapp apontam que a servidora Simone monitorava as propostas lançadas, repassando as informações para Lucas Coutinho, o que resultou em benefício da empresa Isomed Diagnósticos Eireli-ME”, cita o magistrado. Além disso, depois do contrato assinado, “verificou-se a comunicação entre o servidor Thiago Haruo Mishima (gestor dos contratos), Sérgio Coutinho e Victor Andrade (gerente financeiro do posto de combustível e operador da organização criminosa) para pagamento de propina”.
Em seguida, o contrato mais vultuoso totaliza R$ 307 mil, referente a aquisição e instalação de ar-condicionado em diversas secretarias e agências. Nessa mesma licitação, há acusação de que o grupo criminoso fraudou processo licitatório do município de Itaporã, fazendo-o aderir à Ata de Registro de Preços 009/SAD/2022, que é resultado do certame.
Nesse caso, “os lotes 01 e 04 foram conquistados pela empresa Comercial Isototal Eireli, de propriedade de Lucas Coutinho, e os lotes 02 e 03 foram conquistados pela empresa Comercial T&C Ltda., pertencente a Frederico Jorge Cortez Calux – tio dos investigados Lucas e Sérgio, cujos valores registrados eram muito superiores aos praticados no mercado à época.”
Nele, foram atendidos todos os municípios de Mato Grosso do Sul através dos órgãos requisitantes dos equipamentos, sendo eles SED (Secretaria de Estado de Educação), Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário), Agesul (Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos), Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural), Detran (Departamento Estadual de Trânsito), FESA (Fundo Especial de Saúde), Iagro (Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal ), PGE (Procuradoria Geral do Estado), SEDHAST (Secretaria de Estado de Assistência Social e dos Direitos Humanos ) e SEJUSP (Secretária de Estado de Justiça e Segurança Pública).
Um quarto procedimento foi identificado apenas como Ata de Registro de Preço n. 010/2022, aderida pelo município de Rochedo-MS, que trata de aquisição de medicamentos e por fim, “fraude ao processo licitatório no município de Corguinho”, dos quais não há mais detalhes.
A operação – Os contratos investigados pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul, através do Gaeco e o Gecoc, somam R$ 68 milhões. Pelo menos três empresas estão sob suspeita, a Maiorca Soluções em Saúde, de propriedade de Sérgio Coutinho Júnior, e a Comercial Isototal Ltda, que tem como dono Lucas Coutinho, conforme dados abertos divulgados no site da Receita Federal, e a Isomed Diagnósticos.
As apurações começaram durante a Operação Parasita, deflagrada no dia 7 de dezembro de 2022. “Dados extraídos dos aparelhos celulares dos investigados Lucas de Andrade Coutinho e Sérgio Duarte Coutinho Júnior, apreendidos por ocasião” direcionaram a atenção do Gaeco e Gecoc para as contratações das empresas da dupla pela administração estadual, conforme trecho da decisão do juiz Eduardo Eugênio Siravegna Junior, da 2ª Vara Criminal de Campo Grande, que autorizou as prisões e buscas.
Ainda conforme divulgado nesta manhã pelo MP, “Turn Off” faz referência ao "primeiro grande esquema descoberto nas investigações, relativo à aquisição de aparelhos de ar-condicionado e decorre da ideia de ‘desligar’ (fazer cessar) as atividades ilícitas da organização criminosa investigada”.
Além dos sete presos na Capital, o ex-titular da Secretaria Estadual de Saúde, Flávio Brito, atual adjunto da Casa Civil, também foi alvo de busca e apreensão e intimado para depor nesta quinta-feira (30) na sede do Gaeco. As buscas foram cumpridas em Campo Grande, mas também em Maracaju, Itaporã, Rochedo e Corguinho. Na casa de um dos alvos – o MP não divulgou qual –, foram apreendidos dólares e euros.
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