MP abre novo inquérito sobre cirurgias cardíacas em bebês e crianças
Agora, o alvo da investigação é avaliar se há rejeição orquestrada de serviços da Santa Casa
Um novo inquérito civil foi aberto pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) tendo como alvo o serviço de cirurgia cardíaca para crianças na rede pública. O hospital conveniado ao SUS (Sistema Único de Saúde) é a Santa Casa e a instituição relatou às autoridades da saúde estadual que haveria uma predisposição de mães em recusar o serviço e buscar procedimentos na rede privada por meio de ações judiciais com elevados valores. Já há outra investigação motivada exatamente a pedido de mães, sobre a regularidade dos atendimentos na unidade hospitalar.
O assunto ganhou projeção após a morte de um bebê, Caleb, no começo de 2023, e a mãe, a enfermeira Gabrielle Montalvão, contar o caso à imprensa. Ela e outras mães se juntaram e surgiu o grupo de apoio chamado Instituto 1 Só Coração, que é mencionado na representação que chegou ao Ministério Público, encaminhada pelo Estado.
O promotor, Marcos Roberto Dietz, solicitou informações das Secretarias Estadual e Municipal de Saúde, sobre os serviços, do CRM (Conselho Regional de Medicina) e do próprio hospital. Ele quer saber sobre casos judicializados, constando nos autos a informação de duas situações.
Não há uma acusação direta ao instituto, mas o pedido é para que seja investigado se as mães são convencidas a rejeitar o serviço conveniado ao SUS para buscar outras alternativas pela via judicial, na rede privada ou seguindo para fora de Mato Grosso do Sul. No primeiro inquérito, a informação incluída era que na metade do ano havia cerca de 80 crianças e bebês à espera de cirurgia e que a fila poderia ser acelerada com a existência de mais leitos de UTI, uma vez que o pós-operatório requer vários dias de internação. Há seis unidades no hospital, com quatro credenciadas para o setor e duas de suporte eventual.
A judicialização de demandas pelas cirurgias cardíacas chegou a ser discutida em reunião de comitê criado envolvendo o Poder Judiciário e a Administração Pública. Na ocasião, representante da Santa Casa apontou que a pactuação era para 12 procedimentos por mês, o que poderia ser ampliado em mais dois, informando a possibilidade de reforma de uma ala do hospital, que poderia ser beneficiada com recursos públicos. A responsável pelo serviço no hospital já havia apontado, no outro inquérito, que a condição atual limita a ampliação do volume de cirurgias, o que faz a fila andar devagar.
Nos autos do novo inquérito há manifestação da Santa Casa apontando que a situação estaria “manchando a imagem do serviço”, motivo pelo qual esperava a investigação. Relatou que é referência em cirurgia cardíaca pediátrica e as limitações operacionais vivenciadas não destoam de outros locais do País.
Da secretaria municipal veio a confirmação de que, de fato, há temor de mães. Consta que a Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade apontou a entrada de pacientes em outros estados e deveria haver uma interlocução com a secretaria estadual para solucionar o impasse sobre a especialidade médica.
Mães- Gabrielle informou à reportagem que o instituto é um grupo de apoio, no qual mães relatam a doença dos filhos e trocam experiências, cabendo a cada uma decidir como vai lidar com o tratamento, se permanecer na fila do SUS, buscar meios próprios para atendimento na rede privada ou fora do Estado ou mesmo tentar alcançar os serviços na rede privada por meio de ação judicial contra Estado e prefeitura. Não é oferecida assessoria jurídica.
Segundo ela, 85% das mães que integram o grupo buscam atendimento pelo SUS. Ela diz que são pessoas “vulneráveis, com experiências extremamente sofridas”, questionando a sugestão de que poderia haver direcionamento para a via judicial e rede privada. Na Capital, há também o serviço em hospital particular. Ela admite que a espera na fila causa insegurança, uma vez que a demora pode gerar o agravamento das doenças cardíacas.
A reportagem do Campo Grande News revelou no ano passado a luta de uma mãe jovem, que tinha convênio médico e fez uma campanha por doações para pagar despesas e conseguiu levar o bebê para cirurgia em São Paulo. À época, contou que tomou a decisão porque soube que aqui seria necessário abrir o peito da criança, enquanto lá conseguiu que o procedimento ocorresse por cateterismo.
Já no mês passado, a reportagem mostrou movimentação das mães em frente à Santa Casa, pedindo pela permanência de uma bebê, Lavínia, em leito de UTI à espera de cirurgia. Ela acabou falecendo dias depois. No outro inquérito do MPMS, a promotora, Daniela Guiotti, já cobrou informações sobre tratativas do poder público para ampliar leitos e aumentar os atendimentos na Santa Casa.