“Casada” aos 10 anos e escândalo: dia lembra crimes contra a infância
A história que mais marca a lembrança de uma conselheira tutelar, já no terceiro mandato, é dessas impossível de esquecer. Uma menina de 10 anos, “dada” em casamento pela avó a um homem de 24 anos e que já havia conhecido o abuso do pai, tio e primos. Na dura rotina de “dona de casa”, só dois consolos: brincar de boneca e dividir as agruras com Chiquinho, o irmão de 7 anos.
Do Conselho Tutelar Norte, Vânia Nogueira conta que os fatos acima se deram em 2001, mas não há como se esquecer quando se volta para casa chorando diante de uma infância perdida. Neste 18 de maio, uma campanha alerta a sociedade sobre os tipos de violência contra crianças e adolescentes: abuso e exploração sexual.
A coordenadora do Comcex/MS (Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual), Daniela de Cássia Duarte explica os crimes. “O abuso é qualquer ato sexual envolvendo crianças e adolescentes com ou sem contato físico. A exploração sexual envolve dinheiro, mercantilização, é usada como objeto”, afirma.
Segundo ela, a região fronteiriça é a que mais preocupa. Mato Grosso do Sul faz fronteira com Bolívia e Paraguai. Em Campo Grande, a exploração sexual foi estopim de um escândalo com denúncias contra políticos, resultando na renúncia do vereador Alceu Bueno, indiciado junto com o ex-deputado Sérgio Assis.
O caso envolve três adolescentes de 15 anos, aliciadas para programas. Conforme Daniela Duarte, o conselho acompanha para que o crime tenha “punição rigorosa”. Também foram indiciados o ex-vereador Robson Martins, o empresário Luciano Roberto Pageu e Fabiano Viana Otero. Os dois primeiros foram presos em 16 de abril após denúncia de extorsão contra Alceu. Já Fabiano aliciava as adolescentes.
De acordo com a coordenadora do Comcex, já foram tomadas mais medidas de proteção, como pente-fino em motéis, onde a fiscalização localizou uma menina de 15 anos.
Invisível - Nos casos de exploração, a primeira barreira é esclarecer a sociedade de que é crime e não prostituição. Pois alguém alicia menores de idade e lucra com a exploração sexual. Segundo ao conselheira Vânia Nogueira, os bairros com mais demandas quanto à proteção à infância são Jardim Noroeste e Nova Lima.
A rotina mostra que muitas famílias fazem vista grossa para o abuso. Há mães que “consentem” com a violência por dependência financeira ou afetiva do parceiro ate aquelas que pedem que a vítima saia de casa, pois vê a filha como rival.
Apoio – A SAS (Secretaria Municipal de Políticas e Ações Sociais e Cidadania) aplica as medidas de proteção nos casos de denúncias que chegam pelo Disque 100 e pelos Conselhos Tutelares. Segundo a diretora de proteção especial, Mônica de Castro, as ações vão de atendimento médico à acolhimento em abrigo.
Nesta segunda-feira, representantes da rede de proteção distribuíram panfletos da campanha “Faça Bonito: Proteja nossas crianças e adolescentes” no cruzamento da avenida Afonso Pena com a 14 de Julho, em Campo Grande.
Impunidade - A data foi escolhida porque em 18 de maio de 1973, em Vitória (ES), um crime bárbaro chocou todo o país e ficou conhecido como o “Crime Araceli”. Esse era o nome de uma menina de apenas 8 anos de idade, que foi raptada, drogada estuprada, morta e carbonizada por jovens da classe média alta daquela cidade. Esse crime, apesar de sua natureza hedionda, prescreveu impune. A data ficou instituída como o “Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes” a partir da aprovação da Lei Federal nº. 9.970/2000.