Abordagem ao filho do Rei da Fronteira causou “dança das cadeiras” em delegacia
Quebra de sigilo do celular do delegado Obara revela que foi preciso "contornar" situação
Abordagem que teria deixado Flávio Correa Jamil Georges, 43 anos, filho do Rei da Fronteira, Fahad Jamil Georges, “chateado” aparece como pano de fundo da “dança das cadeiras” na DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídios) de Campo Grande em 2019.
No mês de abril daquele ano, foram duas trocas de titulares entre os dias 3 e 26. Saiu Márcio Shiro Obara (que viria a ser alvo em 2020 da operação Omertà), entrou Carlos Delano Gehring Leandro de Souza. E depois, Obara retornou ao cargo e colega foi para a Corregedoria de Polícia Civil.
Em novembro de 2019, depois que a Operação Omertà citou Obara como suspeito de dar cobertura às ações de milícia armada alvo das apurações, Delano voltou para DEH como titular.
Obara seria preso em junho de 2020. Ficou 50 dias na cadeia, saiu pagando fiança de R$ 26 mil, além de usar tornozeleira eletrônica, sendo alocado em função administrativa.
Na ocasião das trocas sucessivas, a Polícia Civil informou que alterações foram por “interesse e necessidade da administração, voltadas ao bom atendimento da população deste Estado”.
Diferente - Já diálogos localizados no celular de Obara, cujo conteúdo foi anexado sexta-feira (dia 5) a processo por corrupção passiva, revelam que a abordagem no começo do mês de abril resultou em ameaças.
No dia 4 de abril de 2019, um investigador da Polícia Civil comenta com Obara que a cena ocorreu na saída de padaria no Jardim dos Estados, em Campo Grande.
O alvo da equipe, formada também pelo delegado Delano, era o pistoleiro Thyago Machado Abdul Ahad (atualmente foragido da Omertá). Mas, ele não estava no grupo. Já Flavio, filho de Fahd Jamil, foi alvo da ação policial, com ordem de “mão na cabeça e deita no chão”.
Na ocasião, não havia mandado de prisão contra Flavio Correa Jamil Georges, que só teve prisão decretada na Omertà em junho de 2020. Ele está foragido.
A respectiva abordagem teria gerado descontentamento por parte do clã Fahd Jamil, passando a produzir ameaças aos policiais participantes, das quais chegaram ao conhecimento do interlocutor, que ao relatar o fato para o investigado [Obara] se mostra preocupado com sua integridade física e de seus colegas, recebendo por parte do investigado a promessa de contornar a situação em favor do interlocutor, demonstrando que manteria contato com os reclamantes com este objetivo”, informa o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado).
Em conversa com Márcio Obara no mês de outubro de 2019, o mesmo investigador questiona porque também não será transferido para Ponta Porã. À época, o delegado foi lotado no município que faz fronteira com Pedro Juan Caballero (Paraguai). A resposta de Obara foi curta: “Orientação do pessoal local. Apenas por precaução. Ainda devido à abordagem”.
Outra conversa anexada ao processo data de abril de 2019, mês da “dança das cadeiras” na Delegacia de Homicídios. No dia 24 de abril, Obara conta a um delegado da PF (Polícia Federal), lotado em Ponta Porã, que retornaria à DEH.
Me pediram para reassumir a DEH pois o colega está tendo problemas”, que atribui à falta de "jogo de cintura". Ele ainda cita que a ameaça foi séria, “mas está sendo contornado”. O retorno de Márcio Obara foi oficializado em 26 de abril, com publicação no Diário Oficial do Estado.
“Durante a sequência das conversas, uma outra referencia feita por Obara chama a atenção, pois o mesmo cita ter sido chamado para ‘reunião’ da qual aceitou participar, onde estava presente o também investigado deste procedimento conhecido como Flavinho”, informa o documento.
O assunto seria a morte do policial civil Wescley Vasconcelos, executado em 6 de março de 2018, em Ponta Porã. O diálogo, novamente com o delegado da PF, data de 12 de dezembro de 2018. Obara comenta que não tem hábito de ficar falando com grandes traficantes ou cigarreiros, “salvo quando o assunto é correlato com minhas investigações”.
Espanto – Já a quebra de sigilo do celular do policial civil Célio Rodrigues Monteiro, que também foi alvo da Omertà, mostra a reação de Obara ao receber link de matéria informando suposta propina de R$ 100 mil a delegado para segurar investigação sobre execução. Ele respondeu com “putz”, um palavrão e “rapaz, como tocam meu nome assim na reportagem”.
A pesquisa de arquivos em nuvem mostra que Célio fez duas pesquisas sobre Thyago Machado, nos dias 19 de novembro de 2018 e 12 de maio de 2019. Marcio Obara e Célio Monteiro respondem ao processo em liberdade.
A defesa de Obara informou que ainda não foi intimada sobre os novos documentos e só depois vai se manifestar. O delegado Carlos Delano, atual titular da DEH, não quis comentar.
O Campo Grande News não conseguiu contato com a defesa de Célio Monteiro e de Flávio Correa Jamil Georges, que também é réu na ação, que tramita na 1ª Vara Criminal de Campo Grande. A Polícia Civil informou que não tem conhecimento desses fatos. "Ademais, informações ou transcrições de conversas obtidas por meio de quebra de sigilo são proibidas de serem divulgadas". (Matéria alterada para acréscimo do posicionamento da Polícia Civil)