“Agora não tenho mais nada”, lamenta mãe de moradora de rua assassinada
Joice de Jesus Ledesma foi morta nesta quarta-feira; mãe acha que filha não era o alvo
Abalada com a morte da filha, Joice de Jesus Ledesmo, de 36 anos, que foi assassinada com um tiro na nádega, durante a noite desta quarta-feira (14), a mãe, Rosângela Maria de Jesus Ledesmo, 55, afirma que o disparo não era para filha, mas sim para João Antônio dos Santos Cardoso Alves, de 33 anos, que segundo a genitora, possui dívidas de drogas.
“Ela levou uma bala que não era pra ela. Era viciada sim, mas não tenho vergonha dela. Agora não tenho mais nada, só meus netos que moram longe e ainda nem sabem da morte da mãe”, disse.
Ambos eram moradores de rua e usuários de drogas. O episódio aconteceu próximo ao Terminal Rodoviário, no Bairro Universitário, em Campo Grande. Na ocasião, um Uno parou em frente à dupla e efetuou três disparos, um acertou Joice.
Rosângela alega que João Antônio conhecia a filha a mais tempo do que relatou à reportagem do Campo Grande News e culpa o morador de rua por tirar a filha do caminho da cura.
“Ele conhecia a mais de três dias, eles se conheceram em Corumbá, há um ano e meio. Eles usavam drogas juntos. Foi ele que foi na clínica tirar minha filha. Quem fica devendo o traficante é ele. Todo mundo sabe que ele rouba casa lá perto do terminal, fica três dias na cadeia e sai", comentou.
A cabeleireira por profissão, afastada após a infecção do covid-19, ressaltou que a morte da filha está sendo um processo muito doloroso e contou como Joice era. “Minha filha sem droga era carinhosa, é como falei, foi a melhor coisa que Deus me deu. Ela era gêmea, meu menino morreu no parto e hoje não tenho mais nada. Quero que quem fez isso com a minha filha pague, porque ela não fez nada para ninguém”, lamentou.
Joice era mãe de quatro filhos, mas deixou três: um de 22, outro de 20 e o último de 19. O quarto faleceu devido a um derrame cerebral quando ainda era um bebê e teria hoje 25 anos. “Minha filha estava na clínica, gorda, bonita, sorridente. Ela queria mudar, queria restaurar a família dela, porque o sonho era ter os filhos perto. Porque eles moram em Bauru, interior de São Paulo”, ressaltou.
“Até agora não falei pros meus netos, estou pensando como vou falar pra eles. Meu véio fala que tenho que falar logo. Qual vai ser o sentimento deles quando souberem que perderam a mãe assim? Não sou só eu e o pai dela que sofre, são os filhos também. Quero esperar esfriar a cabeça pra falar com calma”.
Essa era a segunda internação da filha de Rosângela, que foi acolhida pela Clínica da Alma. Na foto acima ela estava há um mês e meio sem os entorpecentes.
Vício - Segundo ela, a filha começou cedo com a dependência química, mas a então jovem não se abria com os pais. “Ela nunca abriu o jogo pra gente, a gente perguntava e ela negava. Quando ela estava com quase 30 anos que ela partiu para Zuca (pasta base), eu sentia o cheiro.
O convívio com a filha usuária não era fácil para Rosângela, que precisou se desprender de sentimentos perversos aos olhos e coração de uma mãe, para que o relação das duas continuasse.
“Nenhuma mãe gosta de ver um filho viciado, mas muitas vezes você tem que fechar os olhos para ter o seu filho junto de você, porque o meu maior medo era justamente da minha filha ser enterrada como indigente. E era isso que ia acontecer caso não tivessem publicado a matéria. Minha sobrinha viu e me mostrou, porque ela estava sem documento, senão ela tinha sido enterrada como indigente e eu não ia saber”, disse.
De acordo com a progenitora a filha costumava ficar nos bairros Nhanhá, Tiradentes e Universitário, onde foi morta.
“Eu suportava muitas coisas, muitas vezes a gente releva porque não queria ficar sem notícias da minha filha. Quando ela estava na rua eu e meu marido fazíamos café e pão pra levar para os moradores de rua. A gente tem que fazer porque a minha filha estava nessa situação e alguém pode tirar a fome dela. E não é porque minha filha morreu que eu vou parar. Porque eles ali são pais, avós. Todos têm família”, comentou.
Rosângela chegou a achar que a culpa pelo vício da filha era dela, mas com ajuda psicológica conseguiu entender que a questão não dependia dela.
Lembrança - "A última vez que vi minha filha com vida foi há 15 dias ela me abraçou e falou 'mãe te amo tanto. Pai te amo tanto.' Então quero levar essa imagem no meu coração. De todos os problemas, ela amava os pais. Eu nunca abandonei minha filha, se ela morava na rua foi por opção dela”. finalizou.
O pai, Júlio Ledesmo, de 62, vendedor ambulante nos terminais da Capital, não quis conversar com a reportagem, mas compartilhou de todas as dores descritas pela companheira.