Aos 16, garoto dependente se transforma em agonia dos parentes
Uma avó que moveria o mundo pelo neto. Uma tia que chora com o coração a dor de ver o sobrinho chegar a este ponto. E um adolescente que pede ajuda, mas não admite que ultrapassou dos limites e que cruzou a barreira para o vício.
O Campo Grande News começou neste fim de semana a relatar o vazio dos olhos de quem virou vítima da droga. O personagem de hoje tem 16 anos. Perdeu a infância e agora caminha para perda da adolescência. No lugar de uma mãe que luta para tirar o filho da situação está uma que vive sob o efeito de entorpecentes. Ao invés de levar o filho pela mão foi ela quem o arrastou para a pasta-base.
"Ela não me dá carinho já tem muito tempo. Antes abraçava... Meu último presente? Ah foi de aniversário de 11 anos, um celular", desabafa. Cinco anos depois, ele é vítima do poder devastador da dependência química. Viu a mãe cair para o vício. "Ela não usa na minha frente não. Mas está sempre assim".
"A casa era toda mobiliada, ela foi dando tudo para pagar, 'dona'. Tudo. Já tive que dar a minha bicicleta pra pagar dívida dela". O menino viu tudo de perto e seguiu o mesmo caminho. "Uso pasta-base, só que não faz muito tempo, não chegou a dominar eu não", tenta dizer à entrevista e a si mesmo.
Há aproximadamente dois meses a família por parte de pai recebeu uma ligação para buscar o adolescente no posto de saúde do Coophavila. "Eu chorei vendo meu neto daquele jeito. Só Deus sabe, só vendo", diz dona Maria Pompeia de Mouras, 69 anos.
O garoto estava mal vestido, ensanguentado e descalço. Com ferimentos nos braços e magro. Foi parar ali depois de apanhar no bairro onde mora, Dom Antônio Barbosa. A conversa que chegou aos familiares, foi que ele, a mãe e o padrasto foram pegos praticando furto. A história que o menino conta é diferente, mas não foge do contexto de quem vive pela droga.
"Esse machucado? Foi uma situação que caí em cima do braço". Ele para, dá uma pausa, desvia o olhar e volta o braço para perto do corpo. Respira e retoma, ainda mais devagar e baixinho, como se falasse para si mesmo. "Foi briga. Meu padrasto e minha mãe, por dívida. Sobrou pra minha mãe e eu não deixei, entrei no meio e os caras acabaram me ferindo", relata.
A tia e a avó paterna passaram a desconfiar do uso há dois anos. "Ela teve uma parcela muito grande nisso, foi a convivência. Antes ele negava, você podia ver ele usando, mas ele negava", diz a tia Márcia Pompeia dos Santos, 30 anos.
Os familiares relatam com muita dor e um pouco de culpa o fato da mãe do adolescente estar viciada há pelo menos cinco anos. Hoje com 45, entregou a casa que tinha para a mão dos traficantes, uma forma de alugar em troca de entorpecentes.
O 'motivo' pelo qual teria entrado para as drogas é ainda mais decadente. "Numa obsessão por emagrecer, um dos namorados que ela teve disse que se ela começasse a usar... Ela pesava 130 quilos, hoje está com menos de 50", conta Márcia - e entregue ao vício.
A casa, no bairro Dom Antônio Barbosa, está em poder dos traficantes e a rotina da mãe do adolescente é usar pasta-base em uma chácara na região, no mato, no meio do nada.
"Desestrurou a família toda, mas agora é a hora de ajudar, tem que fazer isso enquanto ele ainda está buscando", desabafa a tia em tom de voz normal, mas por dentro, o pedido sai como um grito por socorro. A família é bem humilde, mora em uma casa entre os bairros Marcos Roberto e Vila Nhanhá. A avó diz a todo custo que o neto vai sarar em nome de Jesus. Fé a que ela se apega de que o menino vai sair dessa. Se vê nos olhos de dona Maria a parcela de culpa que ela carrega.
Com os álbuns de fotografia em mãos, ela mostra fotos da família toda, do casamento de um neto, da formatura de outro, como quem tenta justificar que ali, apesar da simplicidade, todo mundo virou boa gente. "Quando eles se separaram, meu filho e a mãe dele, eu pedi a guarda deles, mas ela disse que não. Não daria os filhos por nada e hoje..." Ela não termina a frase, mas fica subentendido que não faltaria muito para trocar os filhos pela droga.
Enquanto a entrevista segue o adolescente fica cabisbaixo. Fala pouco, por medo ou vergonha. Mas quando olha nos olhos, passa o sentimento de carência, de quem entrou nas drogas porque era este o 'exemplo' que tinha em casa. As mãos são todas queimadas, machucadas pelo trabalho que faz, de catar recicláveis no lixão para pagar o vício. "Catava latinha e papelão, isso é porque não uso luvas", explica sobre os machucados.
"Estou vendo ultrapassar onde queria". A reportagem questiona qual era o limite que ele podia chegar - "tipo usando de um jeito, mas está começando a querer dominar, aí parei". Quando o Campo Grande News entrevistou o garoto ele estava limpo a quatro dias e pedia ajuda.
"Queria me recuperar, com certeza e tirar a minha mãe disso, mas pra ela vai ser difícil, aquilo lá é felicidade plena pra ela", resume.
Esta é a terceira vez que o menino vem até a casa dos familiares do pai. Segundo relatos da tia e da avó, foi o mais chocante encontro. "Ele voltou parecendo um mendigo. Fomos socorrer ele, estava sem documento. Quando ele me abraçou eu quase desmaiei. Ele quem disse eu preciso sair dessa", conta a tia.
O menino poderia viver bem com a mãe se não fosse pelo vício. Além da casa ter sido cedida aos traficantes, o cartão da conta onde a mãe recebe a pensão de um dos maridos também fica em poder dos donos da boca de fumo. "Nem fica com ela, só com eles direto. Entrou o dinheiro eles vão e sacam para pagar o que ela deve". A tia calcula que o valor é em torno de R$ 800 mensais.
"Parece que ela está na casa de uma amiga, eu vou atrás dela. Eu ainda não desisti", completa a tia.
Com lágrimas nos olhos, ela traduz o sentimento que não é possível descrever em palavras. O de ver o poder que a droga tem de desestruturar uma família inteira, e ela como parente, estar à mercê do vício, não por ser usuária, mas estar de mãos atadas como tia que quer e tenta fazer alguma coisa para salvar o sobrinho.
"Nossa, não tem nem como explicar, porque quando você vê na rua, é uma coisa. Mas no posto, todo mundo olhando, com medo. Só a gente sabe, que cuidou desde pequeno. Tem como recuperar, mas de fora, as pessoas não veem que tem cura, que é doença e que precisa de tratamento".
"Minha vontade sempre foi tirar ele disso, ele estava meio ressabiado, mas eu disse vou ajudar a mãe dele também, aí ele se abriu, se emocionou, chorou. Quero ter uma família, quero entrar para o quartel", disse a tia.
"Se Deus quiser, vou terminar os estudos e ter uma profissão", diz o adolescente agora, ainda sem o efeito da abstinência.