Após 10 anos, comunidade indígena urbana terá água reguralizada
Reativação de poço artesiano será possível a partir de doação da terra para associação de moradores.
A regularização do abastecimento de água para os moradores da aldeia urbana Água Bonita, próxima do Bairro Tarsila do Amaral, norte de Campo Grande, está dividindo opiniões entre as cerca de 190 famílias que vivem no local.
Em vias de se tornar uma realidade, após mais de 10 anos, o serviço de rede de água a ser implantado na aldeia tem a proposta de melhorar a qualidade de vida dos moradores, mas muitos ainda questionam os "termos" desse acordo.
Regularizar a rede de água no local parte de uma série de tratativas entre a Águas Guariroba, a Assembleia Legislativa, Ministério Público Federal, Funai (Fundação Nacional do Índio), Defensoria Pública, Consea (Conselho estadual de Segurança Alimentar de MS), Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), entre outros.
Começou a ganhar forma, quando a Agehab (Agência de Habitação Popular) doou a área denominada “Chácara Água Bonita” à Associação de Moradores da Aldeia Indígena Água Bonita, em março deste ano, o que foi possível por meio de emenda modificativa.
De acordo com a proposta da Águas Guariroba, a concessionária vai assumir um poço que está desativado e fazer uma extensão de rede para que a água chegue adequadamente a cada residência.
“A empresa prevê realizar as reformas e adequações necessárias para reativar o poço, tratar a água e realizar o controle de qualidade periódico, além de implantar rede e ligações adequadas para os moradores”, informou, por meio da assessoria de imprensa. A partir da negociação, a previsão é que o trabalho seja concluído em 60 dias.
A concessionária propõe cobrar tarifa social de R$ 18 para um consumo de até 20 mil litros de água potável por residência.
O modelo de cobrança da Águas Guariroba foi apresentado durante reunião na Assembleia Legislativa, proposta pela Comissão de Desenvolvimento Agrário, Assuntos Indígenas e Quilombolas, na segunda-feira (03).
Desconfiança – Se por um lado, há unanimidade de que a rede de água proporcione mais saúde e qualidade de vida à população, além de incrementar a renda das famílias que possuem horta, por outro vem causando desconfiança da maior liderança da área.
Na tarde da terça-feira (04), o Campo Grande News foi até a aldeia conversar com os moradores.
“Tentamos contato com a Águas Guariroba há muitos anos para regularizar nossa água, e nunca houve retorno. Agora que querem fechar esse acordo, exigimos que tudo fique bem esclarecido”, afirma o cacique Nito Nelson, 55.
Ele explica que o poço artesiano instalado pela Sanesul (Empresa de saneamento Básico de Mato Grosso do Sul) à época da entrega da área, em 2011, está desativado desde meados de 2005. De lá, os indígenas “se viram” com uma ligação irregular, utilizando mangueiras que se arrastam no chão para levar a água que fica armazenada em uma grande caixa d'água, com risco de contaminação.
No local, vivem 198 famílias das etnias terena, kadiwéu, guarani, kaiuá, guató e mamelucos, oriundos de união com não índios.
"Sei que essa ligação será muito boa para toda a comunidade, mas não queremos ter dor de cabeça no futuro", diz.
Outra questão que gera dúvidas entre os moradores é quanto ao pagamento da tarifa para os horticultores, que receberão água não potável para produção dos alimentos.
“Dizem que eles não irão pagar a tarifa, ficarão insentos. Temos que conversar melhor sobre isso. Eles não receberão água potável? Serão isentos só pelo uso da água não potável?”, questiona o cacique kaiuá.
“Não estamos contentes. Estamos preocupados, porque até agora nada foi oficializado, nada está em ata. Aqui é terra de índio e iremos defendê-la”, ressalta Elizete de Almeida, 55, que possui uma horta.
Sander Barbosa, morador da aldeia e quem está acompanhando de perto todas as negociações, disse que uma nova reunião será agendada na próxima semana para esclarecer todos os pontos.
“O termo de ajuste com a Águas Guariroba que celebra a tarifa social está pronto, só falta chancelar”, explica.
“Será muito bom para todos. Esse ramal que os indígenas estão usando atualmente foi cedido pela concessionária há uns 4 anos. É considerada uma “água perdida”, um grande vazamento e precisa ser regularizado. Agora haverá incremento na renda e a qualidade de vida vai melhorar”, acredita.
No final da tarde, concluída a "visita" à aldeia, os indígenas fizeram questão de apresentar a dança sagrada "Tavyterã", que é uma forma de pedir ajuda para as forças da natureza.