Após uma década da tentativa de pacificação, violência persiste na Nhanhá
Assassinatos constantes voltam a manchar reputação do bairro marcado pela violência
“Moradores da Nhanhá comemoram presença da PM para combater violência”, trazia o título de reportagem do Campo Grande News, de 17 de agosto de 2011. A data marcava não só o início de uma investida do poder público, por meio da operação da PM denominada “Pacificação do Pró-Morar”, que visava o combate ao tráfico instaurado na Vila Nhanhá, região sul, de Campo Grande, mas também um ‘tiro’ de esperança para moradores que vislumbravam viver em um lugar mais tranquilo.
À época, 300 homens fizeram incursão entre ruas estreitas, chegando a prender, no mês, quatro pessoas por terem mandado de prisão em aberto, além de apreensões de drogas e outros tipos de ilícitos. Sob holofotes midiáticos e bem avaliados pela opinião pública, a corporação se vangloriava dos resultados e já planejavam a próxima investida. Durante sessenta dias, uma base móvel da PM esteve na Vila e os índices de criminalidade reduziram drasticamente. No período de três meses, as ocorrências de roubo diminuíram 37,5% e de furto 38,1% e não foram registrados homicídios no bairro, segundo a polícia.
Porém, as medidas cosméticas aparentemente não funcionaram a longo prazo e levam a crer que todo esse histórico estatístico da pacificação também foi preso e ainda reside em algum beco do bairro. Hoje, o que se vê são praticamente as mesmas cenas de dez anos atrás e os homicídios voltam a ganhar as páginas dos jornais.
Em um intervalo de aproximadamente 18 horas, dois jovens foram assassinados. Na madrugada de segunda (6), Rafael Costa Soares Silveira, de 21 anos, foi morto com três tiros em frente de uma tabacaria na Rua Sol Nascente, a mesma via onde foi estacionada a viatura que serviu de base da PM em 2011. Já no mesmo dia, à noite, Pedro Henrique Ferreira da Silva, de 20 anos, foi alvo de pelo menos quatorze disparos. Conforme informações policiais, os dois jovens tinham passagens pela polícia e respondiam por crimes na Justiça de Mato Grosso do Sul.
A reportagem do Campo Grande News percorreu ruas da região na manhã desta terça (7) e conversou com moradores sobre a atual situação do bairro. Ao contrário do que se imagina, com poucas pessoas transitando devido ao ambiente hostil, o que se observa é que, embora a violência esteja presente, a vida cotidiana continua.
Enquanto a Polícia Civil fazia suas buscas, Luiz Fermiano, 64 anos, morador vizinho do local de um dos assassinatos, varria a calçada tranquilamente sob a gritaria das crianças que brincavam na esquina. O aposentado foi morar no bairro, com a irmã e o cunhado, depois que ficou viúvo, há 20 anos. Ele afirma que o problema sempre existiu, mas que por ali, “cada um cuida de sua vida”. “A violência é constante, já morreram uns quatro aqui nos últimos tempos. Na verdade, a gente não mexe com ninguém e ninguém mexe com a gente. Cada um fica no seu canto”, pontua.
A Vila Nhanhá é um dos 800 parcelamentos da Capital e pertence à região do Bairro Vila Piratininga. Reconhecida na prefeitura desde maio de 1963, já foi favela e carrega o estigma de local violento há anos. Dona Elvira Benedito Marques, 80 anos, mora no Marcos Roberto, bairro coladinho, separado apenas pela Rua Bom Sucesso. Desde 1970 na região, ela se lembra de quando não havia asfalto e a chegada dos primeiros projetos de infraestrutura que trouxeram junto com o progresso e moradores, o aumento da criminalidade.
No entanto, garante que só se lembra de uma única vez em que passou por uma tentativa de furto. “Há muito tempo atrás, entraram na minha casa, mas não conseguiram levar nada, porque meu neto estava. Não aconteceu nada grave. A gente tem que tomar os cuidados, porque aqui sempre teve problema. Parece que esse lugar, que é feito um labirinto, é um lugar marcado”, enfatiza.
Além dos constantes casos de tráfico e violência do local, há ainda um outro agravante: o aumento de pessoas em situação de vulnerabilidade e dependentes químicos. Entre as ruas Ceres, Manoel da Costa Lima, Avenida das Bandeiras e Ernesto Geisel, o número de pessoas nestas condições ‘perambulando’ é grande, principalmente no período noturno. O que acaba dividindo opiniões entre os moradores e comerciantes locais sobre o assunto.
Acho uma pena, porque muitas vezes, essas pessoas não têm onde ficar e também não conseguem sair do vício," Elvira Benedito Marques.
“Acho uma pena, porque muitas vezes, essas pessoas não tem onde ficar e também não conseguem sair do vício. Tenho sim pena e ajudo com o possível, quando me pedem água, um pão. Pois, não é do homem o seu caminho, nem é do homem que caminha o dirigir dos seus passos”, finaliza com passagem bíblica, dona Elvira.
Quem também notou volume maior de andarilhos e usuários de drogas foi a comerciante Lucilia Maria da Cruz, 65 anos. Há 30 anos na Avenida das Bandeiras, ela atribui a eles as constantes avarias em seu estabelecimento. “Não aguento mais, vira e mexe tem algum aqui furtando ou danificando o comércio. Certa vez, tinha um rapaz urinando bem aqui na porta e quando saí para ver ele, ainda ficou bravo e foi mal educado comigo. Algo tem que ser feito, pois essas pessoas têm que trabalhar. Já pensou que bacana seria se todos tivessem trabalhando”, diz.
Mãe de três filhos, Lucilia sabe bem as consequência da violência instaurada na região. Há nove anos, perdeu o marido em um assalto ocorrido dentro do próprio comércio. De lá para cá, tem lutado para manter a renda da família, mas se diz cansada com os últimos furtos. Quando a reportagem chegou ao local, uma cena chamou atenção. Na porta de entrada, entre o caixa e um freezer de sorvete, havia um carrinho de compras. Indagada sobre o bloqueio, a proprietária foi enfática.
“Porque me furtam constantemente, assim tenho um controle maior de quem entra e quem sai. Sinceramente, estou pensando em parar de trabalhar. Pois, ontem mesmo, quando nós chegamos, tinham levado as rampas de acesso, que são de alumínio. A tampa do esgoto ali na calçada já troquei quatro vezes e já desisti, coloquei madeira. As autoridades têm que tomar uma medida efetiva, mas é muita gente, acho que a própria polícia não dá conta", reclama.
Órgãos de segurança: jogo de empurra - Questionados sobre dados atuais sobre a criminalidade e medidas à atual situação da Vila Nhanhá, a Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) informou que não fornece dados por bairro. Quanto as ações de policiamento preventivo, solicitou que entrássemos em contato com a PM (Polícia Militar).
Por sua vez, a PM disse, em nota, que “dados estatísticos acerca dos ilícitos que ocorrem na região mencionada são centralizados pela Sejusp”.
E continua ao afirmar que a “Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul informa que o patrulhamento na região é realizado diuturnamente, por meio das viaturas operacionais do 10º Batalhão da Polícia Militar e Unidades Especializadas (BOPE, Batalhão de Choque, Batalhão de Polícia Militar Ambiental, entre outros).
"Após a implementação do Ocop (Obtenção de Capacidade Operacional Plena), a área tem sido patrulhada constantemente e as viaturas monitoradas em tempo real, com rondas programadas conforme a mancha criminal e ainda com incremento conforme solicitações que chegam à OPM", continua a nota.
Além das ações rotineiras, operações extraordinárias são realizadas para saturar alguma área crítica da unidade, como a descrita”, finaliza a nota.