Casa abandonada revela rotina de vidas estragadas pelas drogas
Na manhã deste sábado um incêndio de pequenas proporções atingiu algumas das peças do imóvel, que tem mais de 8 cômodos
Elas têm a mesma idade e, infelizmente, estão no mesmo caminho. A diferença é que uma delas está grávida de 6 meses e é usuária de pasta base há 6 anos, enquanto a outra conheceu a droga destruidora há 24 meses.
Sob a condição de não serem identificadas, as personagens que abrem essa reportagem também abriram um pouco de suas vidas. Desta forma, o Campo Grande News inicia uma série sobre essa verdadeira epidemia que destrói vidas, massacra famílias e é apontada por quem lida com o dia-a-dia da criminalidade como um motor da violência no Estado.
As personagens aqui descritas são frequentadoras de uma casa abandonada, ponto de prostituição e venda de drogas, localizada no bairro Amambaí, em Campo Grande.
Na manhã deste sábado (15), por volta 7h, um incêndio de pequenas proporções atingiu algumas das peças do imóvel, que tem mais de 8 cômodos. As chamas foram controladas pelo Corpo de Bombeiros. Ninguém se feriu. Segundo moradores, é a terceira vez que ateiam fogo ao local.
Momentos depois, como sempre acontece, a rotina da “casa branca” localizada na rua Engenheiro Roberto Mange, voltou à normalidade. A gestante e amiga que aceitaram falar à reportagem foram uma das primeiras a retornar.
Nas mãos de Thais, a única que aceitou dizer o primeiro nome, um papelote de pasta base, que ela costuma esconder no corpo. Aos 22 anos, a jovem conta que nasceu em São Paulo (SP), mas mora na Capital há mais de 5 anos.
Residia no Santa Emília, mas o marido faleceu e ela, como não trabalhava, ficou sem teto. Hoje é uma das moradoras de rua acolhidas pelo Cetremi (Centro de Triagem do Migrante), como relatou. “Daqui a pouco a Kombi passa e eu vou embora”, disse, enquanto preparava o entorpecente.
No sexto mês de gestação, Thais não tem qualquer perspectiva de futuro, nem para ela, nem para o filho. Mas, como é comum entre os dependentes químicos, revela que deseja mudar de vida. A droga que diz ter conhecido há 6 anos, por intermédio da mãe, só causou destruição.
“Eu queria sair dessa vida”, diz. “Mas não tem o que fazer”, resigna-se, ao dizer que o vício consome qualquer um e, depois, para deixar, é praticamente impossível.
Do lado dela, nos fundos da casa, “jogada” em uma cadeira de bambu, a amiga, prestes a acender o cachimbo improvisado, também se diz arrependida das escolhas que fez.
Se pudesse, afirmou, “começaria do zero”, mas agora já é tarde e a esperança, com o tempo, deixa de existir. Em Campo Grande há 3 meses, a jovem revela que foi presa em Sidrolândia, município onde morava, por conta de um roubo feito pelo marido. De lá, foi transferida para o presídio feminino da Capital onde passou cerca de 1 mês e meio.
Longe do filho de 7 meses e da filha de 6 anos - que estão sob os cuidados da mãe – ela está, novamente, nas ruas. Do esposo não tem nem notícias. Da família, muito menos. Para se manter na cidade, faz programas para pagar a diária de R$ 50,00 no hotel onde está hospedada. Hoje, por exemplo, só no período da manhã, atendeu quatro clientes.
A casa do bairro Amambai é o local onde costuma passar a maior parte do tempo, fumando ou se prostituindo.
Boca de fumo - Segundo moradores, a residência está abandonada há aproximadamente 5 anos, desde a época em que a última inquilina deixou o local. De lá para cá, moradores de rua invadiram o imóvel que acabou virando uma boca de fumo e ponto de prostituição.
Proprietário de um bar localizado na mesma rua, Marcio Flavio Carmo Pires, de 55 anos, disse que a movimentação de usuários de droga é intensa. A maioria são jovens, mas “cada dia aparece um diferente”.
Há uma semana uma casa que fica ao lado do terreno foi roubada. Segundo testemunhas, frequentadores do imóvel abandonado utilizaram uma tábua para alcançar a janela da residência, de onde levaram um aparelho celular.
Vanessa Arguelho, de 27 anos, costuma ir à casa da irmã aos sábados e domingos, mas relata que tem medo frequentar o bairro por conta da situação. “À noite eu não venho”, disse, acrescentando que evita levar as duas filhas pequenas.
A irmã da estudante não costuma sair na frente de casa e já pensa em vender o imóvel. Quando a polícia aparece a situação se estabiliza, mas é por pouco tempo, relatou. “Porque ser usuário de droga não é crime”, destacou, ao dizer que defende a internação compulsória de dependentes químicos.