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Capital

Caso de desaparecida fez mulheres criarem grupo contra feminicídio

‘Relato de Mulheres - Juntas Somos Mais Fortes', nasceu em 2020 para amparar vítimas da violência

Por Natália Olliver | 13/08/2024 13:59
Grupo Relato de Mulheres - Juntas Somos Mais Fortes, na Depac nesta terça-feira (Foto Natália Olliver)
Grupo Relato de Mulheres - Juntas Somos Mais Fortes, na Depac nesta terça-feira (Foto Natália Olliver)

Cartazes, camisetas e histórias pessoais que se tornaram lutas coletivas marcaram a manhã desta terça-feira (13), na Depac Centro (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário), em Campo Grande. A cena revelou a rotina de 11 mulheres que compõem o grupo ‘Relato de Mulheres -Juntas Somos Mais Fortes’. A união veio por dividirem a mesma dor: perder filhas, amigas, irmãs, mães e tias para o feminicídio. O caso da jovem de 25 anos, Carla Santana Magalhães, morta pelo vizinho, Marcos André Vilalba Carvalho foi o estopim para a criação do grupo.

“Nunca imaginei que iria perder minha irmã de uma forma tão cruel. Ela era uma pessoa tão boa, amava os filhos. Ela só queria se separar, viver longe do mundo de agressão que ela vivia na casa dela, tanto ela quanto os filhos. Ela só queria viver. Por ela querer colocar um fim ela perdeu a vida”.

Aqui, quem fala é Cyntia Oliveira da Silva, 27 anos, irmã da Pâmela Oliveira da Silva, morta em 2022 após ter 90% do corpo queimado pelo marido, Damião Souza Rocha. O crime aconteceu na cidade de Rochedo, a 83 quilômetros de Campo Grande.

Na época o homem registrou boletim de ocorrência alegando que a esposa teria tentado cometer suicídio. Após insistência da irmã para que houvesse uma investigação, foi constatado que ele ateou fogo na casa onde morava com a mulher e dois filhos. Damião foi condenado a 30 anos de prisão.

“Ela sobreviveu 31 dias para a derrota dele, pra poder contar que foi ele. Ela falou pra mim, meu pai, pra minha filha, para os técnicos de enfermagem. No dia do júri foi muito difícil, eu vi ele entrando como se ele não tivesse feito nada”.

Os protestos e manifestações acontecem em diversas regiões da cidade e municípios de Mato Grosso do Sul. Em agosto desse ano foi realizado o julgamento de Damião e as mulheres estiveram presentes apoiando Cyntia.

Nesta terça-feira, o motivo da reunião foi para pressionar a polícia a não arquivar a investigação sobre a morte da médica Valquíria Feitosa Patrício Gomes, 31 anos, e do filho dela, João Roberto, de 2 anos. Os dois foram encontrados mortos, abraçados, na casa onde moravam na Capital, em 2016.

Cyntia Oliveira da Silva, 27 anos, irmã da Pâmela Oliveira da Silva (Foto Natália Olliver)
Cyntia Oliveira da Silva, 27 anos, irmã da Pâmela Oliveira da Silva (Foto Natália Olliver)

O crime foi registrado como suicídio, mas a mãe, Seila Aparecida Feitosa não acredita na possibilidade. Ela exige que o caso da filha seja esclarecido e que a polícia revele o real motivo da morte.

Quem encontrou os corpos foi o marido de Valquíria, que disse à polícia ter viajado a trabalho no dia anterior. Ele também disse ter achado uma carta de despedida, que foi entregue à investigação. A mãe alega que o homem deu três versões diferentes sobre o álibi.

“Tenho certeza que não foi suicídio pela forma que os corpos estavam, ela com a criança abraçada, quem vai morrer assim e não iria lutar pela vida? No mínimo os corpos teriam que estar bagunçados. Da criança porque ninguém segura uma criança. Falaram que ela tomou algo e deu pro menino. Mas nunca tive acesso ao resultado até hoje do exame toxicológico. Eles foram encontrados abraçados e espumando pela boca. Vai pra oito anos e está faltando várias testemunhas”, questiona.

Pâmela após ser hospitalizada em Campo Grande, registro foi divulgado pela família (Foto: Arquivo pessoal)
Pâmela após ser hospitalizada em Campo Grande, registro foi divulgado pela família (Foto: Arquivo pessoal)

Origem - O vínculo também une  mulheres por empatia e solidariedade. É o caso de uma das administradoras, Débora Bragant, de 52 anos. Ela explica que o grupo foi formado em 2020, após o caso da jovem de 25 anos, Carla Santana Magalhães, morta pelo vizinho, Marcos André Vilalba Carvalho, de 22 anos.

A jovem desapareceu na noite de 30 de junho naquele ano, no Bairro Tiradentes, em Campo Grande. O último registro foi um grito desesperado, chamando pela mãe, antes de desfalecer com o golpe “mata leão” aplicado pelo autor. Sem qualquer pista, a família e os vizinhos fizeram uma força-tarefa para encontrá-la. Débora foi uma das que ajudaram nas buscas.

“Quando a Carla desapareceu a gente se mobilizou, uma rede de mulheres em Campo Grande. A gente montou nessa época porque juntas realmente somos mais fortes. Em Campo Grande somos 10 mil mulheres. No Brasil somos 22 mil participantes do grupo. Nasceu aqui e se expandiu. A luta de uma é a luta de todas. Temos empatia e amor pelas meninas, pelas histórias”.

Corpo de Carla foi deixado nu em uma calçada dias depois da morte. (Fot Arquivo Campo Grande News)
Corpo de Carla foi deixado nu em uma calçada dias depois da morte. (Fot Arquivo Campo Grande News)

O caso de Carla foi um dos mais chocantes ocorridos na cidade em 2020. Investigações revelaram que ela foi atacada na porta de casa, no bairro Tiradentes, violentada sexualmente em vida e depois da morte pelo vizinho de muro. O homem confessou que violou sexualmente o corpo da vítima. O corpo da garota oi deixado nu em uma calçada dias depois da morte.

Débora acrescenta que se sente bem doando tempo para ajudar pessoas que precisam, e que embora nunca tenha acontecido nenhum crime na família, já presenciou a dor de inúmeras mulheres que tiveram filhas, irmãs, primas, tias e mães mortas por feminicídio.

“Hoje estamos aqui pela Seila, mas fomos para Rio Negro esses dias pela Cyntia. Quando é preciso a gente se reúne vai até a casa da pessoa, dá todo tipo de ajuda, cada uma faz um pouquinho, unimos forças. Acabamos ficando muito próximas. A gente vê o aumento de  casos de violência  contra a mulher em Mato Grosso do Sul. A gente como mulher não queremos isso, nem para os nossos filhos nem para os nossos netos”.

Cyntia pontua que o grupo foi de extrema importância para conseguir lidar com a dor de ter perdido a irmã vítima de feminicídio. “Isso traz uma importância muito grande. Ouvi muito que não ia dar certo e que não iria conseguir comprovar que ela foi assassinada. Tive sorte de encontrar pessoas que me ajudaram. Estar no grupo é de extrema importância para que nenhuma mulher passe pelo que a minha irmã passou.”

Luciana da Silva, líder de comunidade no Imbirussu é Prima de Valquíria e também entrou para o grupo de mulheres em apoio à tia, Seila. “Fez a diferença, ela tá vendo que ela tem apoio, não está sozinha. Que a união de fato faz a força, e ela tem sido um amparo. Me sinto motivada e esperançosa de que o movimento cresça, que mais mulheres possam se unir, se abraçar e sentir que a causa de uma é a causa de outras”.

Mudança - Eleudi Silva é advogada e participante do grupo. Para ela, casos de violência psicológica deveriam ser melhor explorados durante investigações e inquéritos policiais.

“O homem age com uma frieza que ele trava a mulher de fazer qualquer denúncia, sair do casamento e em muitos casos acaba levando a mulher ao suicídio. Ou ela se mata ou ela morre. É uma violência muito fria e a justiça acaba levando com menos importância”.

Para ela precisa existir projetos de lei que garanta, se constatado, que o agressor seja punido por violência psicológica e incitação do suicídio.

“Quando a mulher morre por suicídio provocado por violência doméstica e familiar, a instigação leva o cara para o tribunal do juri, mas quando ela se matar em consequência de violência psicológica que ele também seja, que deixa de ser uma violência para responder por assassinato. Ele faz de tudo para mulher morrer, é uma instigação do suicídio”.

Maxelline da Silva dos Santos e Pâmela Oliveira da Silva (Foto: Reprodução)
Maxelline da Silva dos Santos e Pâmela Oliveira da Silva (Foto: Reprodução)

Outro caso - Mara Dalila, de 39 anos, é amiga de uma vítima de tentativa de feminicídio, Camila Telis Bispo. Ela foi atingida nas costas pelo ex-guarda civil Valtenir Pereira da Silva, em fevereiro de 2020. O homem tirou a vida da ex-mulher, Maxelline da Silva dos Santos, e do amigo dela, Steferson Batista de Souza, namorado de Camila.

“Minha melhor amiga viveu isso. Tudo isso na frente de uma criança de 5 anos, só não concluiu o crime porque ela se trancou no quarto com a criança. A questão maior hoje é o que fica. Ela não está agora mas é uma causa que é dela e minha”.

A vítima já tinha registrado boletim de ocorrência contra Valdir. Durante a audiência, o ex-guarda disse que atirou nas três vítimas por ter “ficado pilhado” ao chegar na casa da amiga de Maxelline e encontrar o que acreditou serem três casais. Para ele, a ex estava acompanhada de outro homem.

Grupo Relato de Mulheres - Juntas Somos Mais Fortes, em julgamento do assassinato de Pâmela (Foto: Aqruivo pessoal)
Grupo Relato de Mulheres - Juntas Somos Mais Fortes, em julgamento do assassinato de Pâmela (Foto: Aqruivo pessoal)

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