Em local improvisado, crianças ficam até 4 horas durante madrugada na delegacia
Com sono, vítimas se encolhem em cadeiras sem espaço adequado na Delegacia da Mulher, quando DEPCA fecha
A Deam (Delegacia de Atendimento à Mulher) está acumulando a função de atender casos de crianças e adolescentes nos horários em que a DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente) está fechada, há pouco mais de cinco semanas.
Mas o que mudou foi o não atendimento pelo improviso, que segue até que uma sala especial seja instalada no Cepol (Centro Especializado de Polícia Integrada), ainda neste mês. A medida atende à pressão popular desde que ocorreu a morte da menina de 2 anos e prisão da mãe e do padrasto, depois de dezenas de passagens da garota pela rede de saúde e outros órgãos de proteção, em Campo Grande.
Enquanto isso, as vítimas enfrentam os reflexos do atendimento improvisado. Os relatos são de espera de até 4 horas, sem acolhimento em espaço adequado, como em uma brinquedoteca, e sem escuta qualificada.
Fotos mostram momentos em que as crianças se rendem ao sono e ao cansaço e se encolhem nas cadeiras. São vítimas que estão ali por terem sofrido diversos tipos de maus-tratos e até estupro.
Familiares, que não podem ser identificados, trouxeram os relatos à reportagem. Procurada, a Acetems (Associação de Conselhos Tutelares de Mato Grosso do Sul) confirmou a situação.
O presidente da Acetems, Adriano Vargas, conta que não levou vítimas à Deam nesse período, mas diversos conselheiros relataram que o atendimento tem sido moroso e há uma discriminação em relação aos atendimentos feito às mulheres, que são o público da delegacia.
Não tem sido permitido às crianças fazerem uso da brinquedoteca, porque é para atendimento às crianças envolvidas nos casos de violência doméstica à mulher. A criança não passa por escuta qualificada, pelo atendimento psicossocial ali igual tem na DEPCA ou igual a mulher vítima de violência doméstica tem lá”, comenta Adriano.
O conselheiro explica que a falta do profissional para escutar a criança na delegacia prejudica muito. Além disso, os exames de corpo de delito têm sido realizados na Deam somente das 17h à 1h, segundo Adriano.
“A escuta tem que ser na DEPCA, onde tem que agendar, porque estão com limitação de pessoal. Isso é ruim, porque dias depois a criança muda o relato, porque está coagida. Isso compromete a proteção dessa criança e a garantia dos direitos dela. Já aconteceram casos em que a criança que antes denunciou a violência passa a negar e isso limita a atuação da rede de garantia. Como será aplicada a medida de proteção se a criança diz que não houve violência?”, questiona Adriano.
A falta de exame no local durante a madrugada faz com que as famílias tenham que ir ao Imol (Instituto de Medicina e Odontologia Legal) em horário que não tem transporte público, o que pode fazer com que desistam do procedimento.
A família ou o conselheiro levam ao Imol, depende de cada caso. Alguns não têm familiares acompanhando. Não tem ônibus nesse horário. Muitas vezes, a família não tem como custear, porque tem baixo poder aquisitivo. Um transporte de aplicativo da Casa da Mulher, onde fica a Deam, até o Imol, deve custar cerca de R$ 30 durante a madrugada. Se essa pessoa tiver que voltar para casa, por exemplo, no Bairro Nova Lima, vai ter que pagar mais de R$ 30”, explica.
A demanda na Deam é alta. Somente nos quatro primeiros dias de atendimento, o local recebeu 22 crianças e adolescentes. As ocorrências são registradas lá durante a noite e aos finais de semana, quando a DEPCA está fechada. Com a nova sala do Cepol, o atendimento será 24h.
A reportagem solicitou à assessoria da Deam uma entrevista com a delegada titular, Elaine Cristina Benicasa, e aguarda retorno para saber mais sobre o atendimento às crianças e adolescentes.