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Capital

“Faz parte do processo de cura”, diz delegada sobre relatos "#exposedcg"

Delegada e advogada incentivam que meninas denunciem e dizem que citar nomes em perfis anônimos pode ter consequências na Justiça

Izabela Sanchez | 02/06/2020 11:07
A titular da Depca (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente) Marilia de Brito Martins (Foto: Paulo Francis)
A titular da Depca (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente) Marilia de Brito Martins (Foto: Paulo Francis)

“Faz parte de um processo de cura”. É assim que define a titular da Depca (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente) Marilia de Brito Martins, sobre os recentes relatos que borbulham no Twitter com a tag #exposedcg. Ela afirma que, muitas vezes, uma denúncia começa com a coragem de um relato online. Ainda assim, conforme orientam ela, a titular da Deam (Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher) e uma advogada, não se pode parar por aí. É preciso denunciar para autoridades que investigam esses crimes.

Os relatos ocorrem em meio à um movimento que se espalha pelo Twitter, com relatos em todo o Brasil, mas com protagonismo de Mato Grosso do Sul. A tag #exposedcg com relatos de abuso sexual e estupro, histórias contadas por perfis de meninas e jovens de Campo Grande, chegou a ficar nas trending topics da rede social ontem à noite e já tem milhares de publicações.

“O que a gente vivencia são muitos relatos posteriores, pessoas adultas, faz parte de um processo de cura da pessoa. Tem situações que chegam, que o indivíduo estuprou a família inteira, toda uma geração. A gente tem que cessar essa situação, por isso destacamos a importância de vir e fazer os procedimentos”, encoraja a titular da Depca.

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Ainda assim, o uso de perfis anônimos e a exposição de supostos autores de abusos sexuais, sem que o caso seja formalizado em denúncia, pode gerar enxurrada de ações judiciais. Mesmo com o machismo e a dificuldade de provar casos como esses, as especialistas orientam a não fica apenas na rede social.

Conforme a titular da Deam, Fernanda Felix, cada caso citado de abuso tem uma especificidade e pode ser levado para a Depca ou Deam por envolverem mulheres. O que vai definir onde denunciar é a idade da vítima quando o abuso ocorreu.

Se era menor de idade à época, deve levar à Depca. Do contrário, tem que procurar a Deam. “O crime de estupro, a depender do tipo, pode ter um prazo de prescrição até 20 anos depois da vítima completar 18. É um prazo ótimo, a gente encoraja a denunciar”, comenta.

“Cada investigação é individual e específica e tem suas características. A gente consegue a oitiva de testemunhas no local. Isso tudo a gente pode trazer para os autos. O que a gente recomenda em casos de crime contra a dignidade sexual, no entanto, é que venham imediatamente à delegacia, nem tome banho. A gente tem o exame de sexologia, nós temos casos anteriores de vítimas que registrou um ano depois”, contou Fernanda.

Ainda que seja importante falar sobre, é preciso formalizar denúncia, diz delegada (Foto: Paulo Francis)
Ainda que seja importante falar sobre, é preciso formalizar denúncia, diz delegada (Foto: Paulo Francis)

Investigação – A titular da Depca afirma que são recorrentes as denúncias que ocorrem anos depois do crime. Afirma que a lei sobre a prescrição do crime é chamada de “lei Joana Maranhão”. A Lei 12.650 foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 2012 e é uma homenagem à nadadora que denunciou seu treinador por abuso sexual sofrido quando criança.

“O procedimento correto é a denúncia. A lei conhecida como Joana Maranhão define que a prescrição só acontece 20 anos depois que completa a maioridade, nós temos um prazo muito longo, a apuração dessa espécie de delito pode ocorrer depois da maioridade, para que esse indivíduo responda pelos seus atos e não pratique contra nenhuma outra criança”, orienta.

As investigações ocorrem normalmente, mesmo se o acusado era, também, menor de 18 quando o abuso ocorreu. Neste caso, responde por ato infracional. “Tem um prazo menor, de três anos. Mas aí a gente vai cair no caso a caso, alguns casos vão dar mais trabalho do que outros, mas é sempre importante a denúncia. Só de levar o fato à delegacia já inibe a prática”, explica Marília.

“Eu acho que a investigação do fato que acabou de acontecer é sempre mais completa, os fatos estão muito frescos na cabeça, a ação policial permite provas importantes, mas há uma série de elementos que podem acontecer nesse caso, nada impede que provas sejam produzidas depois um lapso temporal”, diz.

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Linchamento virtual – Comum em épocas onde as vítimas estão criando coragem de denunciar, também cresce acusações infundadas ou os “linchamentos virtuais”. O perigo, nesse caso, comenta, é que tudo pode ser passível de investigação, até a calúnia. É o que alerta a presidente da Abmcj (Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica) Rachel de Paula Magrini.

Ela incentiva o movimento, mas afirma que o ideal é que as meninas que estão utilizando a tag #exposed sejam acompanhadas por uma advogada que as incentive a levar às denúncias a frente. Ela também tem acompanhado o movimento.

“A gente tem duas questões que estão me chamando bastante a atenção. Hoje em dia com a internet, pessoas que ficavam caladas, que não tinham coragem, elas começam a se manifestar. As vezes ela não sabe para quem correr, ela usa da internet e da liberdade dela de falar. A gente que participa do movimento de mulheres, nós sabemos que é difícil a gente encorajar para falar. Movimentos assim dão a sensação de que não se está sozinha, que você pertence a um grupo”, conta.

Ela diz que perfis anônimos podem produzir efeito contrário e enfraquecer o movimento.

Difícil, mas não impossível – Rachel comenta que sem materialidade, com o lapso de tempo entre crime e denúncia, fica “muito difícil”, mas não impossível. Cita as oitivas especializadas, com psicólogos e psiquiátricas, que podem ser provas materiais do trauma do abuso nos autos.

Outro perfil que pode aumentar as chances de conseguir provar na Justiça ocorre quando várias vítimas foram alvo do mesmo agressor ou mais pessoas endossam os relatos. Ela conta já ter visto irmãos defendendo as vítimas.

“Se foram várias mulheres que se identificaram difícil do agressor sair daquele contexto. Quando se identificam, eu vi irmãos já chegando e falando ‘eu sei dessa história, faz tempo que quero ir atrás desse cara’. Isso ajuda, isso é um contexto que já é conhecido, isso dá força, e da força para que a própria testemunha prove o que sabe”, comenta.

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