Fim de obrigação de piso tátil cria nas ruas risco até com arame farpado
O professor José Aparecido da Costa vê retrocesso em decreto que desobrigada a colocação de estrutura em calçadas da Capital
Desníveis e até arame farpado são alguns dos obstáculos que pessoas com deficiência visual vão encontrar nas calçadas de Campo Grande após o fim da obrigatoriedade de pisos táteis, com a publicação de decreto municipal de 27 de junho. Com a medida, a obrigatoriedade da estrutura passou a ser facultativa. Para tentar entender o impacto na vida das pessoas cegas ou com baixa visão, a reportagem do Campo Grande News acompanhou o professor José Aparecido da Costa, 50 anos, e comprovou nas ruas a necessidade da estrutura e o que é preciso melhorar nestes trajetos.
Com a mudança, o piso tátil poderá ser substituído por linhas-guia – basicamente quaisquer referências para circulação, como corrimões e muros das casas, quando existirem. O problema é que a maior parte dos imóveis também não está adequada com esta estrutura, Há também muitos terrenos baldios sem qualquer cercamento que delimite a calçada e algumas "gambiarras" que significam risco, como arames farpados cercando áreas.
Na avaliação do professor, a obrigatoriedade do piso tátil, instituída há quase 10 anos pelo município, não representa apenas um instrumento de segurança, mas ajudou na conscientização da população quanto a necessidade de adequar a cidade para as pessoas com deficiência. “Agora que eles estão começando a entender a importância, temos esse retrocesso”, afirma em relação ao decreto instituído pela prefeitura nas últimas semanas.
Outra grande perda na troca de piso tátil por uma guia comum e que há indicações específicas, como uma leitura em braile durante o percurso. Existem dois tipos de piso tátil: o de alerta e o direcional. O primeiro, conhecido popularmente como “piso de bolinha”, é instalado em início e término de escadas e rampas; em frente à porta de elevadores; em rampas de acesso às calçadas ou mesmo para alertar quanto a um obstáculo que o deficiente visual não consiga rastrear com a bengala.
Já a função do piso tátil direcional é orientar o trajeto em linha reta.
Com o piso - O professor lembra que, mesmo com o piso tátil já são muitos os obstáculos, por causa instalação de maneira errada, ou desrespeito com a colocação de obstáculos, o que deve piorar com a validade do decreto.
No canteiro central da Avenida Afonso Pena, no cruzamento com a Rua 14 de Julho, o piso tátil foi recém colocado. Neste caso, a conservação e continuidade da estrutura não são problemas, porém, ambulantes se posicionam próximo ao trajeto e alguns pedestres param distraidamente em cima da estrutura, o que dificulta o trânsito das pessoas cegas.
Basta atravessar a rua para encontrar situação praticamente oposta. Na calçada da Avenida Afonso Pena, entre as ruas 14 de Julho e Calógeras, há ainda mais obstáculos. Além da descontinuidade do piso tátil, a plataforma de embarque de passageiros de ônibus foi colocada próxima a estrutura. É justamente nesse trecho que uma loja de aviamentos utiliza o piso tátil para exposição de mercadorias.
Diante dos empecilhos, a pessoa com deficiência perde um dos principais benefícios proporcionados pelo piso tátil, a autonomia para caminhar pelas calçadas. Ao passar neste trecho na tarde desta sexta-feira, o professor José Aparecido, foi ajudado por um entregador de panfletos que notou a dificuldade de circulação. “Percebi que tinha muita coisa na frente e resolvi ajudar, por que não quero que ele passe por uma dificuldade que eu não gostaria de passar”, afirmou Igor Nathan, de 19 anos.
Outros trechos da região central, embora bem servidos de piso tátil, contam com desníveis que representam riscos para os usuários da estrutura. Na Rua Marechal Cândido Mariano Rondon, a descontinuidade do piso é acompanhada de uma espécie de degrau, impondo riscos aos transeuntes.
Sem o piso – O Ministério Público Estadual (MPE) teve de interferir na polêmica diante do decreto que põem fim a obrigatoriedade do piso tátil na Capital. Nesta semana, o promotor Eduardo Franco Cândia, da 67° Promotoria de Justiça da Capital, recebeu representantes dos conselhos municipal e estadual para debater o assunto. Os próximos a serem ouvidos serão os chefes da Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Gestão Urbana) e da Planurb (Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano).
A intenção dos conselheiros é reverter a decisão. No entanto, a prefeitura argumenta que a mudança adequa a legislação local às normas mais recentes da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) sobre sinalização para deficientes visuais.
Veja como é a locomoção de um deficiente visual levando em conta só as guias pela cidade: