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Capital

Heroísmo ou obsessão? Por que protetores abrigam mais animais do que podem?

Psicóloga explica que ato de ajudar pode ser sofrimento quando fere o bem-estar de cães e gatos

Por Natália Olliver | 05/07/2024 13:21
Cães magros, com sarnas e doenças de pele estão no Intituto (Foto: Natália Olliver)
Cães magros, com sarnas e doenças de pele estão no Intituto (Foto: Natália Olliver)

Após mais um caso tipificado como maus-tratos aos animais em Campo Grande, o acolhimento de cães e gatos esbarra em uma questão complexa e levanta a dúvida: Por que protetores e ONGs (Organização Não Governamental) abrigam mais do que conseguem comportar? Apesar da boa intenção e do trabalho de “enxuga gelo” dos protetores há anos na Capital, o ato de ajudar pode se transformar em sofrimento quando os tutores ferem os critérios do bem-estar animal e a ação transita entre o heroísmo e a obsessão.

Nesta sexta-feira (5) as donas do Instituto Guarda Animal, Paola de Sousa Brizueña e Natália de Souza Brizueña, de 29 anos, foram presas por não oferecer ambiente saudável e propício para 212 cães e 12 gatos. As condições sanitárias encontradas pelos investigadores da Decat (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Ambientais) variam de sarna à presença de moscas, larvas e animais sem vacinação adequada.

Para Avany Cardoso Leal, professora e coordenadora do curso de Psicologia da faculdade Insted, a maioria dos protetores abriga os animais com boa intenção, mas em alguns casos, a situação foge do controle e acaba mantendo o sofrimento animal, ou até aumentando os quadros, devido ao ambiente e falta de assistência.

A psicóloga pontua que a maioria das pessoas que montam ONGs acabam se tornando, ou podem se tornaram ao longo do tempo acumuladoras de animais e que isso pode ser um aspecto compulsivo.

“Pode ter um traço de depressão ou sentimento de solidão, mas também pode ter um traço de herói, de querer salvar. Quando uma pessoa se torna uma acumuladora, ela tanto pode perceber que não está cuidando direito e isso gerar sofrimento e angústia e aumentar o quadro depressivo, como também tem pessoas que acumulam por essa necessidade de se sentir herói e acabam não percebendo ou ligando para sofrimento causado aos animais”.

Problema - Ela também explica que o perfil, na maioria dos casos, de pessoas que se enquadram na obsessão animal são mulheres mais velhas.

“A acumulação é um traço do espectro do transtorno obsessivo-compulsivo, é o não conseguir resistir. Na verdade, a obsessão é sempre o pensamento, a ideia de ter os animais e cuidar. Já a compulsão é sempre o ato, é pegar. O tutor tem muitas responsabilidades, e tem situações que eles percebem a inadequação, mas se tornou compulsivo e não consegue deixar de pegar mais um”. O tutor que se sente herói e tem essa dificuldade em perceber que está causando dano e não ajudando”.

Conforme a advogada do Instituto, Vitória Junqueira Cândia. A situação é irônica e totalmente contrária ao que é praticado pelas protetoras. “Elas são as que mais se dedicam, que eu como pessoa física, conheço. Fazem um trabalho desde 2016, sendo uma das ONGs mais sérias da Capital, que chega a ajudar outras organizações que acolhem os animais. Elas não tem incentivo público e tudo é feito através de doação. São muitas demandas".

Ao todo, ONG cuida de 212 caes e 12 gatos (Foto: Natália Olliver)
Ao todo, ONG cuida de 212 caes e 12 gatos (Foto: Natália Olliver)

Essa não é a primeira vez que a ONG é alvo de investigação. Em 2022 ela foi notificada pelo MPMS (Ministério Público Estadual). As autoridades exigiram melhorias na estrutura do espaço em que os animais viviam, como a construção de baias para separação em grupos na antiga sede, localizada no bairro Novos Estados. Na época dos fatos, a denúncia também destacou maus-tratos e perturbação do sossego alheio. Depois os animais foram levados para uma espaço maior no bairro Chácara dos Poderes.

"Desde 2022, algumas ações foram fixadas pelo MP e cumpridas pelas protetoras. Agora, a situação de novas denúncias se repete. A gente tem tentado fazer um trabalho de conscientização. É algo muito sério", completa Vitória.

Mais em baixo - Danielle Ocampos e Silva, atua há mais de 20 anos com a causa animal e resgate de cães e gatos na Capital. Para ela o problema é mais amplo. “Hoje eu digo claramente que a causa animal adoeceu e o culpado é o poder público. Com isso os animais estão cada vez mais em sofrimento, pois o bem-estar animal não se trata apenas de tirar das ruas dar abrigo, água ou comida, vai muito além disso”E o quesito Saúde como que fica?"

Apesar da assistência prestado por alguns médicos veterinários, o custo para os protetores é grande. "Eu escolhi ter poucos animais e dar a eles qualidade de vida, e eles têm o que eles precisam. Infelizmente quando me deparo com um animal eu tenho que fazer uma escolha cruel, entre pegar mais um e reduzir a qualidade de vida de todos, ou manter os meus com qualidade de vida”.

A protetora frisa que a Capital, assim como o país, precisa mudar o conceito de abrigos animais.

Moscas e mosquitos também fazem parte do cenário visto no Intituto (Foto: Natália Olliver)
Moscas e mosquitos também fazem parte do cenário visto no Intituto (Foto: Natália Olliver)

“Ong tem que ser uma casa de passagem, e aqui não vemos isso. Na maioria, um animal resgatado está confinado a morrer na Ong, sem a chance de ter um lar. Campo Grande precisa trabalhar muito na conscientização em adoção, Bem Estar Animal e o governo precisa oferecer ajuda psicológica para todas nós protetoras”.

Superlotação - Em Campo Grande, os protetores de animais vivem o desespero da superlotação e incapacidade de receber novos animais há anos. A Comissão de Defesa dos Direitos Animais da OAB/MS (Ordem dos Advogados de Mato Grosso do Sul) estima que na Capital milhares de animais vivem em abrigos independentes. Um levantamento, feito entre abril e agosto do ano de 2022, encontrou 2,8 mil bichos nessa situação e 5 mil abandonados nas ruas.

Tratamento - A psicologa Avany Cardoso Leal acrescenta que o tratamento de pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo é  tanto medicamentoso quanto com  sessão de psicoterapia. "Precisamos dos dois. É um transtorno de difícil tratamento, mas ela consegue sair desse quadro. O tratamento é de médio a longo prazo, ou seja não é imediata a melhora. Depois de um mês a gente vê uma melhora significativa dos sintomas. O tempo varia de acordo com a rede de apoio, tempo que os sintomas estão se manifestando, mas a média é de 6 a 2 anos", finaliza.

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